quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

*PRE-REQUISITOS DO TREINAMENTO CH'AN

Tradução para o português de Wu-ming (1947-    )

Extraído do Ho Shang Fa Hui do Venerável Mestre Hsu Yun (1840-1959)

O objetivo do treinamento Ch'an é a realização da mente para a percepção da própria-natureza; isto é, a eliminação das impurezas que poluem a mente de forma que o rosto fundamental da própria-natureza possa ser percebido. Essas impurezas são nosso falso pensamento e o apego às coisas como se fossem reais. A própria-natureza é a meritória característica da sabedoria do Tatâgata que é a mesma tanto nos Budas quanto nos seres vivos. Se o falso pensamento e o apego são postos de lado aparecerá a meritória característica da sabedoria do Tatâgata e tornar-se-á um Buda; de outra forma permanecerá um ser vivente. Desde incontáveis eras, nossa própria delusão nos tem submergido no mar do nascimento e da morte. Como nossa impureza vem de longa data, somos incapazes de libertar-nos instantaneamente do falso pensamento a fim de perceber a nossa própria-natureza. Por isso, torna-se necessário o Ch'an. O pré-requisito deste treinamento é a erradicação do falso pensamento. Em relação a como apagar os falsos pensamentos têm vários ditados de Sakyamuni Buda, mas nada é mais simples do que a palavra "pára" em seu ditado: "Quando a mente pára, isso é a Iluminação (Bodi)”.
Desde sua introdução na China por Bodidarma e até a morte do Sexto Patriarca (Hui Neng), a seita Ch'an espalhou-se por todo o país e desfrutou de uma grande prosperidade, nunca antes nem depois vista. Entretanto, a coisa mais importante ensinada por Bodidarma e pelo Sexto Patriarca era apenas isto: "Evite todas as causas contribuintes" e "Não mantenha nem um único pensamento". Evitar todas as causas contribuintes significa renunciar a elas. Assim, essas duas frases, "Evite todas as causas contribuintes" e "Não mantenha nem um único pensamento", são os pré-requisitos do treinamento Ch'an. Se essas duas frases não são realmente colocadas em prática, não somente o treinamento será inútil, como também será impossível iniciá-lo; pois, como se pode falar em treinamento Ch'an no meio de inúmeras causas que aparecem e desaparecem, pensamento após pensamento?
Agora que nós sabemos que as frases: "Evite todas as causas contribuintes" e "Não mantenha nem um único pensamento" são os pré-requisitos do treinamento Ch'an, como podemos preencher esses pré-requisitos? Aqueles dotados de um alto grau de espiritualidade são capazes de deter para sempre o aparecimento de um único pensamento até que eles alcançam o estado do "não-nascido" e realizam a Iluminação (Bodi) instantaneamente sem ter que fazer nenhuma outra coisa. Aqueles dotados de um menor grau de espiritualidade deduzirão o princípio subjacente aos fatos e compreenderão perfeitamente que a própria-natureza é fundamentalmente pura e limpa e que o infortúnio e a iluminação tanto como o nascimento, a morte e o Nirvana, são nomes vazios que não têm a mínima relação com a própria-natureza; que o mundo fenomênico é como um sonho, uma ilusão, uma bolha, uma sombra; e que os quatro elementos básicos que constituem o corpo físico tanto como as montanhas, os rios, e a terra que estão incluídos dentro da própria-natureza é como borbulha no mar. Esses fenômenos aparecem e desaparecem um atrás do outro sem interferir com a essência da própria-natureza. Desta forma, nós não devemos seguir a ilusão na sua criação, permanência, mutação e aniquilação dando lugar a sentimentos de alegria e de tristeza, e de apego e de rejeição. Deveríamos renunciar a tudo aquilo com que sobrecarregamos nosso corpo, assim nos tornando exatamente como um homem morto. O resultado será que os órgãos dos sentidos, os objetos dos sentidos e as consciências irão desaparecer e que a concupiscência, o ódio, a estupidez e o amor serão eliminados. Quando todos nossos sentimentos de alegria e de tristeza, de frio e de calor, de fome e de saciedade, de honra e de desonra, de nascimento e de morte, de felicidade e de infelicidade, de boa fortuna e de infortúnio, de lucro e de perda; de segurança e de insegurança, de capacidade e de incapacidade, são postos de lado, isto é a verdadeira renúncia a tudo. Renunciar a uma coisa é renunciar a tudo para sempre: isto é chamado “a renúncia a todas as causas contribuintes”. Quando se renuncia a todas as causas contribuintes o falso pensamento desaparece porque não há diferenciação e todos os apegos são eliminados. Quando o estado de "não surgimento de um único pensamento" é alcançado, a luminosidade da própria-natureza aparece por completo. Somente desta forma os pré-requisitos do treinamento Ch'an podem ser completamente preenchidos. Naturalmente, que maiores esforços no verdadeiro treinamento e na real introspecção serão necessários para alcançar a realização da mente para a percepção da própria-natureza.
Ultimamente, os Ch'an Budistas freqüentemente tem-se tem interessado por tudo isto. Em relação ao Darma, fundamentalmente não existe, porque assim que é expresso com palavras seu significado não será verdadeiro. Apenas perceba claramente que a mente é Buda e não há mais nada a fazer. Isto é evidente por si mesmo e qualquer conversa sobre prática e realização são palavras do demônio. Bodidarma -que veio ao Oriente para "apontar direto para a mente do discípulo que deverá perceber a própria natureza com o propósito de alcançar a Budeidade” (o estado de Buda)- deixou claro que todos os seres vivos na face da Terra são Budas. O perfeito reconhecimento desta pura e límpida própria-natureza junto com a completa harmonia com ela, sem as contaminações do apego (inclusive do apego à própria-natureza que também é uma impureza que deverá ser eliminada), andando, parado, sentado ou deitado, dia e noite, nada mais é do que a evidente por si mesma Budeidade. Não exige a utilização da mente ou a realização de um esforço; mais ainda, não há lugar para a ação ou o uso da palavra, discurso ou pensamento. Por essa razão é dito que alcançar a Budeidade é a mais fácil das coisas, pois depende apenas da pessoa e não dos outros. Se os seres vivos da Terra não desejam passar longas eternidades pelos quatro tipos de nascimento (do ovo, da barriga, da umidade e da metamorfose), nos seis planos da existência (devas, homens, espíritos, animais, fantasmas famintos e infernos), permanecendo permanentemente submersos no mar do sofrimento; se eles desejam alcançar a Budeidade com a conseqüente graça da verdadeira eternidade, verdadeira felicidade, verdadeira personalidade e verdadeira pureza (as quatro realidades transcendentais do Nirvana expostas no Mahaparanirvana Sutra), eles devem sinceramente acreditar nas palavras verdadeiras de Buda e de todos os Patriarcas, renunciando a todos os apegos, sem pensar no bem e no mal, e desta forma todos certamente transformar-se-ão em Budas imediatamente. Todos os Budas, Bodisatvas e Patriarcas das gerações passadas não se comprometeram a salvar todos os seres vivos sem terem uma garantia de que o poderiam fazer; e não fizeram os votos em vão ou disseram uma mentira deliberada.
A qualificação acima referida é provida pela própria natureza. Mais ainda, o Buda e os Patriarcas o expuseram uma e outra vez e suas injunções a este respeito também foram repetidas incontáveis vezes; suas palavras eram palavras verdadeiras que correspondiam à realidade e não continham nem uma partícula de falsidade ou decepção. E no entanto, todos os seres da Terra permaneceram, durante incontáveis eras, iludidos e submersos no amargo oceano do nascimento e da morte e da ascensão e da queda nas suas transmigrações sem fim. Iludidos, confusos e perturbados, eles viram as costas para a iluminação e unem-se com as impurezas. Eles são como ouro puro jogado num esgoto onde não somente é desperdiçado como também é contaminado. Por causa de sua grande misericórdia o Buda abriu 84.000 portas (Darma) para a iluminação de forma que os seres vivos das mais diferentes capacidades naturais fossem capazes de curar as 84.000 doenças causadas pela sua habitual concupiscência, raiva, estupidez, e amor. Desta mesma forma, você é ensinado a usar uma toalha, uma escova, água e um pano para limpar, escovar, lavar e polir a peça suja de ouro. Assim, as portas expostas pelo Buda são excelentes Darmas, permitindo ao discípulo libertar-se do nascimento e da morte e alcançar a Budeidade, sendo a única dificuldade em questão a adaptabilidade às potencialidades individuais. Essas portas (Darma) não deveriam ser arbitrariamente divididas em inferiores e superiores. As introduzidas na China são: a Seita Ch'an (Ch'an Tsung), a Seita da Disciplina (Lu Tsung), a Seita do Ensinamento Doutrinário (Chian Tsung), a Seita da Terra Pura (Chin Tsung), e a Seita Secreta (Mi Tsung). Dentro destas cinco portas para o Darma cabe a cada indivíduo escolher qual é a mais apropriada de acordo com seu caráter natural e inclinações, e se persistir o tempo suficiente sem mudar de opinião e a atravessar completamente certamente alcançará seu objetivo.
Nossa Seita prefere o treinamento Ch'an. Este treinamento centra-se na "realização da mente e na percepção da própria-natureza", que nada mais é do que uma exaustiva investigação sobre nosso rosto- fundamental. A porta do Darma, que consiste em "claramente despertar para a própria-mente através da percepção da natureza-fundamental", vem sendo transmitida desde que Buda levantou a flor e desde a chegada de Bodidarma ao Oriente, com freqüentes mudanças no método de treinamento. Até a dinastia Sung (960 - 1279) a maioria dos adeptos da Seita Ch'an iluminava-se depois de ouvir uma palavra ou uma frase. A transmissão do mestre para o discípulo não ia além da transmissão da mente para a mente e não era ensinado nenhum Darma específico. Nas perguntas e respostas a função do mestre era soltar as amarras que prendiam o discípulo, libertando-o dos impedimentos causados pela delusão de acordo com as circunstâncias, tal como faz o médico quando receita um remédio para uma doença específica. Durante e após a dinastia Sung as potencialidades humanas tornaram-se embotadas e as instruções dos mestres não eram seguidas por seus discípulos.  Por exemplo, quando os discípulos eram instruídos para "abandonar tudo" e "não pensar no bem e no mal", os praticantes não eram capazes de abandonar tudo nem podiam evitar pensar no bem e no mal. Dadas essas circunstâncias, os mestres ancestrais foram obrigados a desenvolver o método de "veneno contra veneno", ensinando seus discípulos a perguntar-se sobre o "kung-an" - enigmas colocados pelos mestres Ch'an através dos quais a mente concentra-se até alcançar a unidade interior e a iluminação - ou olhar dentro de um hua-tou - antepalavra ou antepensamento; isto é, o estado da mente antes de ser agitada por um pensamento; a mente no estado de quietude; a manutenção do hua-tou na mente significa prestar atenção à própria mente até sua realização ou a capacidade de virar para dentro a faculdade da audição para escutar à própria- natureza provocando o desligamento da mente dos aspectos exteriores. Seus discípulos eram orientados para segurar o hua-t’ou tão firmemente como fosse possível, sem perder contanto com ele nem por um segundo, da mesma forma que um rato rói a madeira de um caixão no mesmo lugar até fazer um buraco. O objetivo deste método era o de utilizar um único pensamento para enfrentar e deter a miríade de pensamentos, porque os mestres não tinham nenhuma outra opção. Era como realizar uma operação depois que o veneno tinha entrado no corpo. Havia muitos kung-an inventados pelos antigos, mas posteriormente apenas os hua-tou eram ensinados. Nos dias de hoje, os mestres usam o hua-t’ou: “Quem está repetindo o nome de Buda?” (No Centro de Treinamento Ch’an usamos o hua-tou: “Pára!”).
Todos esses hua-tou têm apenas um único sentido que é muito simples e não há nada de especial neles. Se você presta atenção a “Quem está acordado?”; “Quem está dormindo?”; "Quem está recitando um Sutra?"; "Quem está almoçando?"; "Quem está vendo televisão?"; “Quem está dirigindo o carro?”; “Quem está pensando?”; "Quem está lendo?"; "Quem está escrevendo?" ou "Quem está falando?"; a resposta a esse "Quem?" invariavelmente será a mesma: "É a Mente". A palavra origina-se na Mente e a Mente é a cabeça da Palavra. O Pensamento origina-se na Mente e a Mente é a cabeça do Pensamento. A miríade de coisas provém da Mente e a Mente é a cabeça da miríade de coisas. Na realidade o hua-tou é a cabeça do pensamento. A cabeça do pensamento não é nenhuma outra coisa a não ser a Mente. Para que fique bem claro, antes do pensamento surgir é um hua-tou . De onde se conclui que prestar atenção ao hua-tou é prestar atenção à Mente. O rosto-fundamental antes de nascer é a Mente. Prestar atenção ao seu rosto-fundamental antes de nascer é prestar atenção a sua Mente. A própria-natureza é a Mente e "virar a audição para dentro para escutar a própria-natureza” é virar a contemplação para dentro para contemplar à própria-mente.
A frase: "o brilhar perfeito da consciência pura", significa: "a consciência pura" é a mente e "brilhar" significa prestar atenção. A Mente é Buda e repetir o nome de Buda é contemplar Buda. Contemplar Buda é contemplar a Mente. Desta forma, “prestar atenção ao hua-tou ou "prestar atenção àquele que repete o nome de Buda" é contemplar a mente ou contemplar a pura essência da consciência da própria mente, ou contemplar a própria-natureza de Buda. A Mente é a própria-natureza, é a consciência e é Buda, que não tem forma nem lugar, sendo, portanto, indescritível. É limpo, puro e onipresente, não chega nem vá embora, e é fundamentalmente o evidente por si mesmo corpo essencial de Buda (Darmakaya).
O adepto deverá manter sob controle os seis órgãos dos sentidos - os seis gunas: a visão, a audição, o olfato, o gosto, o tato e o intelecto - e tomar conta do hua-tou prestando atenção ao momento em que o pensamento aparece até perceber a pura própria-natureza, livre de qualquer pensamento. Essa permanente, profunda, calma e indiferente investigação levarão o adepto a um imóvel e luminoso estado de contemplação - a essência da mente é imutável e sua função luminosa - cujo resultado será o imediato desaparecimento das cinco funções constitutivas do ser sensciente - os cinco skandas: a matéria, a sensação, a conceituação, a discriminação e a consciência - e o apagamento do corpo e da mente sem deixar o mínimo vestígio para trás. A partir daí, essa imutabilidade absoluta deverá ser mantida em qualquer situação, andando, parado, sentado ou deitado, dia e noite. A medida que o tempo passa, esse feito será levado à perfeição o que resultará na percepção da própria-natureza e na Budeidade, com a conseqüente eliminação de todas as perturbações e sofrimentos.
O mestre ancestral Kao Feng dizia: "Quando o estudante presta atenção ao hua-tou com a mesma constância com que uma telha partida afunda num lago profundo até alcançar o fundo, se ele não conseguir despertar em sete dias, qualquer um pode arrancar minha cabeça e jogá-la fora". Queridos amigos: essas são as palavras de um mestre experiente; elas são verdadeiras e correspondem à realidade; não são palavras enganosas para iludir as pessoas.
Por que então na atual geração apenas uns poucos alcançam a iluminação a despeito do grande número de homens e mulheres que seguram um hua-tou nas suas mentes? Isto é porque suas potencialidades não estão tão desenvolvidas como às dos antigos. Também porque os estudantes confundem-se em relação ao método correto de treinamento e à técnica do hua-tou. Eles freqüentam vários lugares diferentes procurando instrução e o resultado é que quando a velhice chega ainda não sabem direito o significado do hua-tou e como prestar atenção a ele. Passam a vida inteira apegados às palavras e aos nomes e ocupando suas mentes com o rabo do hua-tou - quando o adepto procura o significado racional da frase, ele está pensando no "rabo do hua-tou" no lugar de pensar na "cabeça do hua-tou", o que está errado. Eles olham e procuram o significado das frases: "Presta atenção àquele que repete o nome de Buda" e "Toma conta do hua-tou", e quanto mais olham e procuram mais se afastam do significado real das frases. Assim, como podem despertar para a evidente por si mesma wu-wei (não-ação), realidade suprema, e como podem ascender ao imperturbável Trono Real? Quando o pó de ouro é jogado nos seus olhos eles ficam cegos; como poderiam eles irradiar o grande raio iluminador? Que pena! Que pena! Eles são bons filhos e boas filhas que deixam seus lares na procura da verdade e sua determinação está acima da média. Que pena  que eles trabalhem por nada! Por isso um mestre ancestral disse: "É melhor permanecer adormecido durante mil anos do que trilhar o caminho errado um único dia".
O autocultivo para o despertar para a verdade é fácil e difícil ao mesmo tempo. Por exemplo, quando ligamos a luz, se sabemos como, num estalar dos dedos, far-se-á a luz e a obscuridade que durou incontáveis anos desaparecerá. Mas, se não se sabe ligar a luz os cabos elétricos entrarão em curto circuito e a lâmpada queimar-se-á, o que resultará num aumento do apego e da ignorância. Há também os que, quando prestam atenção ao hua-tou durante o treinamento Ch'an, se envolvem com os demônios e se tornam insanos enquanto outros vomitam sangue e adoecem – quando se permite a entrada de um pensamento ruim no estado de concentração da mente enquanto se segura um hua-tou, esse pensamento pode alcançar uma proporção fora de controle, tornando-se impossível de subjugar, provocando a insanidade. Não são, pois, o fogo da ignorância explodindo em chamas e a visão profundamente enraizada do eu e dos outros as causas de tudo isso? Assim, os adeptos devem harmonizar o corpo com a mente e tornarem-se calmos, livres de qualquer impedimento e da visão do eu e dos outros de forma a alcançar um acordo perfeito com suas potencialidades latentes. Fundamentalmente, o método usado no treinamento Ch'an é invariavelmente o mesmo, mas o treinamento é difícil e fácil ao mesmo tempo, tanto para os principiantes quanto para os veteranos.
Onde jaz a dificuldade para um principiante? Embora o seu corpo e a sua mente estejam maduros para o treinamento, ele ainda está confuso em relação ao método a ser praticado e como sua prática não produz resultados ele perderá a paciência ou perderá seu tempo cochilando com o seguinte resultado: "No primeiro ano, o treinamento de um principiante; no segundo ano, o treinamento de um veterano; e no terceiro ano, nenhum treinamento".
Onde jaz a facilidade para um principiante? Apenas se requer uma mente crente, perseverante e desocupada. Em primeiro lugar, uma mente crente tem a certeza de que a nossa mente é fundamentalmente Buda, não sendo diferente de todos os Budas e de todos os seres vivos nos três estágios do tempo - passado, presente e futuro - e nas dez direções do espaço; e, em segundo lugar, a certeza que todos os Darmas expostos por Sakyamuni Buda podem fazer com que sejamos capazes de colocar um fim ao ciclo de nascimento e morte, alcançando Budeidade. Uma mente perseverante consiste na escolha de um método que deverá ser colocado continuamente em prática na vida atual, na vida próxima e na vida depois da próxima. O treinamento Ch'an deverá ser conduzido dessa forma; a repetição do nome de Buda deverá ser conduzida dessa forma; a repetição de uma mantra (cântico místico) deverá ser conduzida dessa forma; e, o estudo dos sermões (sutras), que consiste em colocar em prática os ensinamentos recebidos através das Escrituras, deverá ser conduzido dessa forma. A prática de qualquer porta do Darma deverá ser baseada na disciplina (sila) e se o treinamento é conduzido dessa forma não há nenhuma razão para não se ter sucesso. O velho mestre Kuei Shan costumava dizer: "Qualquer um que pratique esse Darma sem desistir durante três vidas sucessivas, certamente pode alcançar a Budeidade".
Por mente desocupada entende-se o abandono de tudo - isto é, livre de todos os apegos que são considerados um fardo do qual se deve desfazer - de forma que o adepto torna-se como um homem morto, que enquanto se comporta como os outros nas suas atividades normais, não dá lugar ao aparecimento da mínima discriminação e apego e vive como um simples religioso.
Depois que o principiante adquiriu esses três tipos de mente, se ele se submete ao treinamento Ch'an e presta atenção ao hua-tou,: "Quem é que repete o nome de Buda?", ele deverá silenciosamente repetir várias vezes: "Amitaba Buda, Amitaba Buda, Amitaba Buda” e então prestar atenção àquele que pensa no Buda e onde esse pensamento surge. Ele saberá que esse pensamento não se origina na sua boca ou no seu corpo. Caso se originasse na boca ou no corpo, quando morresse, não poderiam sua boca ou seu corpo, que ainda existiriam, originar um pensamento? Assim, ele sabe que esse pensamento provém de sua mente. Agora, o principiante poderá observar e localizar onde sua mente origina esse pensamento e prestar atenção a ele, como um gato que permanece atento para caçar o rato, com toda sua atenção excludente concentrada nele, livre de um segundo pensamento. Entretanto, sua atenção e seu embotamento deverão ocorrer em proporções iguais. Nunca deverá estar muito atento porque tal atenção poderá causar uma doença. Se o treinamento é conduzido desta forma, em todas as circunstâncias, andando, parado, sentado ou deitado, dia e noite, tornar-se-á eficiente com o tempo, e quando a causa chega ao momento do usufruto, como um melão maduro que cai naturalmente, qualquer coisa que possa tocar ou entrar em contato irá repentinamente causar o despertar supremo. Nesse momento o adepto será como aquele que bebe água e somente ele sabe se a água está fria ou quente, até que ele se livre de todas as dúvidas em relação a si mesmo e vivencie uma grande felicidade, igual à que se sente quando se encontra o pai no meio de uma multidão longe de casa.
Onde a facilidade e a dificuldade jazem para o veterano? Por veterano entende-se alguém que recorreu a mestres esclarecidos para sua instrução e submeteu-se ao treinamento por muitos anos durante os quais seu corpo e sua mente tornaram-se maduros; alguém que não tinha dúvida em relação ao método que poderia praticar confortavelmente sem experimentar nenhum obstáculo. A dificuldade que um monge veterano poderá enfrentar jaz na sensação de conforto e clareza na qual ele pára e permanece. Assim, por causa de sua permanência nesse lugar ilusório ele não alcança o lugar das coisas preciosas - isto é, o Nirvana perfeito. Ele apenas se adapta à quietude, mas não se adapta ao tumulto e seu treinamento não é, conseqüentemente, completamente efetivo para qualquer circunstância. Na pior das hipóteses, o adepto desenvolverá, quando em contato com as condições do meio ambiente, sentimentos de prazer e desprazer, e aceitação e rejeição com o resultado que seus falsos pensamentos, tanto os grosseiros quanto os sutis, permanecerão tão firmes como antes: seu treinamento pode comparar-se ao ato de molhar uma pedra com água e tornar-se-á inútil. A medida que o tempo passa o cansaço e a preguiça infiltrar-se-ão no seu treinamento, que no fim tornar-se-á infrutífero. Quando um monge toma consciência disso ele imediatamente deverá reanimar o hua-tou novamente e levantar o espírito para avançar um passo a frente do topo do mastro de cem pés de altura que ele alcançou - esse estado de quietude é descrito em "A Iluminação Perfeita" do Bodisatva Avalokitesvãra quando disse: "Ambos, a audição e o objeto da audição, desapareceram mas eu não permaneci onde eles desapareceram" - até chegar ao topo do mais alto pico no qual ele permanecerá firmemente ou ao fundo do mais profundo oceano, onde ele caminhará em todas as direções. Ele cortará seu último elo de ligação com o irreal e caminhará livremente por todos os lugares encontrando-se, cara a cara, (literalmente, substância a substância ou essência a essência) com Budas e Patriarcas. Onde está a dificuldade? Isto não é fácil?
Hua-tou é a mente única. Essa mente única de vocês e minha não está dentro, nem fora, nem no meio..Também está dentro, fora e no meio. É como o Espaço, imutável e onipresente. Por isso, o hua-tou não deve ser puxado para acima ou para baixo. Se for puxado para cima causará mal-estar e se for puxado para baixo causará preguiça e assim entrará em contradição com a natureza da mente - o corpo-mente imutável, a fundamentalmente existente mente pura - e desviar-se-á do caminho do meio.  Todos têm medo do falso pensamento que acham difícil de controlar, mas eu digo a vocês, caros amigos, não tenham medo do falso pensamento nem tentem controlá-lo. Vocês devem ter consciência dele mas não se deve apegar a ele, segui-lo ou afastá-lo. Será suficiente cortar o pensamento e ele deixará vocês em paz. Por isso, o ditado: "o aparecimento da falsidade deverá ser reconhecida no ato e uma vez reconhecida desaparecerá".
Entretanto, se no seu treinamento o adepto poder usar esse falso pensamento no seu próprio benefício ele prestará atenção onde se origina e perceberá que não tem natureza própria. Perceberá a não-existência desse pensamento e recuperará sua natureza vazia, seguida imediatamente pela manifestação da pura própria-natureza do Darmakaya Buda que aparecerá na hora.
Na realidade, o real e o falso têm a mesma natureza: os seres vivos e os Budas não são dois; nascimento e morte e Nirvana assim como a iluminação e a obscuridade todos fazem parte de nossa própria-mente e de nossa própria-natureza e não deveriam ser diferenciados, nem gostados nem desgostados, nem aceitos nem rejeitados. Essa mente é pura e limpa e fundamentalmente é Buda. Nem um único Darma é necessário na questão da iluminação. Por que tanta complicação? T'san! - (Usualmente no final de cada reunião o mestre pronuncia essa palavra para estimular seus discípulos a penetrar dentro do significado real do sermão).

Nenhum comentário:

Postar um comentário