quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

* O TREINAMENTO CH'AN

Pelo Venerável Mestre Hsu Yun (1840-1959)

Tradução para o português de Wu-ming (1947-    )


Pré-requisitos para a Prática das Tarefas Religiosas

(1) Acreditar na "Lei da Causalidade".
Quem quer que seja que procure realizar as práticas religiosas, deve acreditar firmemente na lei da causalidade. Quando se ignora essa lei e se faz apenas a própria vontade, não somente fracassar-se-á no cumprimento das tarefas religiosas, como que também sofrer-se-á as conseqüências dessa lei através das três formas de castigo: inferno de fogo, inferno de sangue e inferno de espadas. Um mestre antigo disse: "Se quer saber as causas formadas na vida passada, as podemos encontrar no tipo de vida presente; se quer saber o tipo de vida futura, o podemos encontrar nos atos da vida presente". Ele também disse: "O carma de nossos atos nunca será apagado mesmo após centenas e milhares de eras, mas assim que as condições tornam-se maduras sofreremos as conseqüências nós mesmos". O Surangama Sutra diz: "Se a causa não é verdadeira o fruto maduro será podre". Assim, quando se semeia uma boa causa obter-se-á um bom fruto e quando se semeia uma causa ruim obter-se-á um fruto ruim; quando se semeiam sementes de melão obter-se-ão melões e quando se semeiam sementes de feijão obter-se-á feijão. Essa é a grande verdade. Como estou falando da lei da causalidade contarei uma historinha para ilustrá-la.
A história refere-se ao massacre do clã de Sakya pelo Rei Crystal Virudhaka - esta história foi contada pelo próprio Buda. Antes do advento de Sakyamuni Buda existia um vilarejo perto de Kapila habitado por pescadores que pescavam num grande lago. Aconteceu que por causa de uma grande estiagem o lago secou e os habitantes mataram e comeram todos os peixes. O último peixe era enorme e antes de ser morto um garoto, que nunca tinha comido peixe, bateu três vezes na cabeça dele. Mais tarde, depois do aparecimento de Sakyamuni Buda neste mundo, o Rei Prasenajit, que acreditava no Darma de Buda, casou-se com uma moça Sakya que deu a luz um príncipe chamado Crystal. Quando jovem Crystal foi educado em Kapila que era na época habitada pelo clã Sakya. Um dia, enquanto brincava, o menino subiu ao púlpito de Buda e sendo reprimido foi retirado dali pelos mais velhos. O menino alimentou um grande rancor contra os que o tinham repreendido e quando se tornou Rei comandou um ataque devastador contra Kapila matando todos seus habitantes. Na mesma hora Buda sofreu uma forte dor de cabeça que durou três dias. Quando seus discípulos pediram-lhe para resgatar os habitantes de Kapila, Buda respondeu que um determinado carma não podia ser mudado. Então, através de seus poderes mágicos Maudgalyãyana - era um dos dez discípulos chefes de Buda, especialmente conhecido pelos seus poderes mágicos - resgatou quinhentos homens do clã Sakya pensando que poderia refugiá-los numa grande tigela suspensa no ar. Quando a tigela foi colocada no chão todos os homens tinham-se convertido em sangue. Quando perguntado por seus discípulos sobre o que acontecera, Buda explicou que no passado os homens do clã Sakya tinham matado e comido todos os peixes do lago, o Rei Crystal tinha sido aquele grande peixe que morreu por último e os soldados todos os outros peixes mortos; os habitantes de Kapila agora mortos tinham sido aqueles que comeram os peixes; e o próprio Buda tinha sido aquele garoto que bateu na cabeça do grande peixe três vezes, sofrendo em conseqüência uma dor de cabeça de três dias em retribuição ao seu ato no passado. Como não se pode escapar das conseqüências de um determinado carma os quinhentos homens resgatados por Maudgalyãyana sofreram o mesmo destino. Mais tarde, o Rei Crystal renasceu num inferno. Como cada causa produz um efeito que pela sua vez torna-se uma nova causa, a lei do retorno é inesgotável. A lei da causalidade é realmente muito terrível.
Queridos amigos, depois de ouvir essa história vocês devem ter percebido que a lei da causalidade é em verdade uma coisa terrível. Mesmo após ter alcançado a Budeidade, o Buda ainda sofreu uma dor de cabeça em retribuição ao seu ato passado. A retribuição é infalível e não se pode escapar de um determinado carma. Desta forma, devemos estar sempre atentos a tudo isso e devemos ter muito cuidado em relação à criação de novas causas.

(2) Observância Estrita das Regras de Disciplina (Sila)
Quando se procura realizar as práticas religiosas, a primeira coisa a cumprir são as regras de disciplina. A disciplina é o fundamento da suprema Iluminação (Bodi): a disciplina gera imutabilidade e a imutabilidade gera Sabedoria (Prajnã). Não há nenhuma autoprática sem o cumprimento das regras de disciplina. O Surangama Sutra, que relaciona os quatro tipos de pureza, claramente nos ensina que a prática do Samadi (estado de imperturbabilidade isento de sensações externas) sem o cumprimento das regras de disciplina não irá apagar essas impurezas. Mesmo que haja a manifestação de um grande conhecimento de Dyana (meditação ou contemplação abstrata), cair-se-á no plano dos mãras (demônios perversos) e heréticos. Conseqüentemente, nós sabemos que o cumprimento das regras de disciplina é muito importante. O homem que as cumpre está amparado e protegido por dragões-reis e devas (deuses) e é respeitado e temido por mãras e heréticos. O homem que quebra as regras de disciplina é chamado de grande ladrão pelos fantasmas que fazem a varredura até de suas pegadas.
Antigamente, no estado de Kubhana (Kashmir) havia nos redores de um mosteiro um dragão venenoso que freqüentemente devastava a região. No mosteiro, quinhentos arhats - o ideal da doutrina Hinayana que procura apenas sua própria libertação, em contraste com o Bodisatva, o ideal da doutrina Mahayana, que procura a libertação de todos os seres vivos - não conseguiam afastar o dragão com seu poder coletivo de Dyana-Samadi. Mais tarde, um monge chegou ao mosteiro e em lugar de entrar no estado de Dyana-Samadi, apenas disse para o dragão venenoso: "Será que o inteligente e virtuoso poderia ir embora daqui para um lugar bem longe?” A partir desse momento, o dragão venenoso voou para um lugar bem distante. Quando questionado pelos arhats sobre os poderes mágicos que ele usou para afastar o dragão, o monge respondeu: "Eu não usei o poder do Dyana-Samadi; apenas sou muito cuidadoso no cumprimento das regras de disciplina e observo com o mesmo cuidado tanto as regras maiores quanto as regras menores". Assim, podemos ver que o poder coletivo do Dyana-Samadi de quinhentos arhats juntos não se pode comparar ao poder de um único monge que segue estritamente as regras de disciplina.
Se vocês me questionam citando as palavras do Sexto Patriarca: "Por que se deve observar a disciplina se a mente é imparcial? Por que um homem reto deveria praticar Ch'an?"; eu pergunto a vocês de volta: São suas mentes imparciais e retas? Se a senhora Ch'ang-O descesse da lua - uma dama muito bela que, segundo a lenda, roubou o elixir da imortalidade e fugiu para a lua onde se converteu num sapo – e com seu corpo nu tomasse vocês nos seus braços, permaneceriam seus corações imperturbáveis; e se alguém sem nenhum motivo aparente insulta e agride vocês, isso não despertaria sentimentos de ódio e vingança em vocês? Podem vocês evitar estabelecer diferenças entre a amizade e a inimizade, o amor e o ódio, o eu e os outros, o certo e o errado? Se vocês podem fazer isso, então podem abrir a boca e falar , mas se não podem fazer isso, então é inútil dizer uma mentira deliberada.

(3) Uma Fé Inabalável.
Uma mente de fé inabalável é o fundamento do treinamento daquele que quer cumprir com suas práticas religiosas, porque a fé é a mãe da doutrina correta e também porque sem fé não haverá boa vontade. Se nós desejamos nos libertar do ciclo de nascimento e morte, devemos primeiro possuir uma mente de fé inabalável. Buda disse que todos os seres vivos da Terra têm inerente dentro deles a sabedoria do Tatâgata (um dos nomes de Buda) que eles não podem realizar apenas por causa do falso pensamento e do apego. Ele também mostrou todas as portas do Darma para a iluminação, curando todos os tipos de doenças, das quais sofriam os seres vivos. Devemos, portanto, acreditar que as palavras de Buda não são falsas e que todos os seres vivos podem alcançar a Budeidade. Mas por que não conseguimos alcançar a Budeidade? É porque não treinamos de acordo com o método correto. Por exemplo, nós acreditamos e sabemos que o coalho de soja pode ser feito com grãos de soja, mas se não começamos a preparar os grãos, o coalho não se fará sozinho. Agora, assumindo que o coalho de soja é feito com grãos de soja, ainda não conseguiremos fazê-lo se não sabemos como misturar a gipsita. Se conhecermos o método, moeremos os grãos, os ferveremos na água, e depois colocaremos a quantidade certa de gipsita; e aí certamente obteremos o coalho de soja. Da mesma forma, na prática de nossas tarefas religiosas a Budeidade não será alcançada por aqueles que não treinam nem por aqueles que não usam o método certo. Se nosso autocultivo é praticado de acordo com o método correto sem desistir ou se arrepender, é certo que alcançaremos a Budeidade. Assim, deveremos saber que fundamentalmente nós somos Buda; também deveremos saber que se nosso autocultivo é feito de acordo com o método correto é certo que alcançaremos a Budeidade.
O Mestre Yung Chia disse na sua "Canção da Iluminação”:

“Realizando a Realidade! Eu e os outros não existimos.
O Carma de Avici é apagado num segundo.
Se eu minto conscientemente para enganar os seres vivos,
Irei sofrer nesse inferno por incontáveis eras, tantas como grãos de areia”.

O velho mestre era muito piedoso e fez esse voto sem limites para obrigar àqueles que viessem depois dele a desenvolver uma mente de fé inabalável.

(4) A Escolha do Método de Treinamento
Depois que se desenvolveu uma fé inabalável deve escolher-se uma porta de entrada para a iluminação. Nunca se deve mudar de treinamento, e quando a escolha for feita, seja a repetição do nome de Buda, seja o canto de uma mantra, seja o treinamento Ch'an deve ir-se até o fim sem desistir ou arrepender-se. Se hoje o método parece não dar resultado, amanhã deve continuar-se; se este ano o método parece não dar resultado, o próximo ano deve continuar-se; e se na vida atual o método parece não dar resultado, na próxima vida deve continuar-se. O velho mestre Kuei Shan, disse: "Quando se pratica em cada sucessiva reencarnação, o estágio de Buda será alcançado". Há muitas pessoas que parecem duvidar de suas escolhas. Hoje, após ouvir um mestre esclarecido elogiar o método de repetição do nome de Buda eles decidem repeti-lo por um par de dias; depois de amanhã, após ouvir outro mestre esclarecido elogiar o treinamento Ch'an eles pratica-lo-ão por um ou dois dias. Se eles gostam de brincar dessa forma, eles continuarão até a morte sem alcançar nenhum resultado. Isto não é uma pena?

O Método de Treinamento Ch'an

Embora haja inúmeras portas de entrada para a iluminação, Buda, os Patriarcas e os Ancestrais, concordaram em considerar o treinamento Ch'an a insuperável porta maravilhosa. Na assembléia de Surangama, Buda ordenou a Manjusri escolher entre os vários métodos de alcançar a iluminação completa e ele escolheu o método de Avalokitesvara Bodisatva, que usava a faculdade da audição, como o melhor. Quando utilizamos o sentido da audição para escutar nossa própria-natureza, este é um dos métodos de treinamento Ch'an. Este lugar é o auditório Ch'an e devemos discutir o treinamento Ch'an.


O Essencial do Treinamento Ch'an.

Nossas atividades diárias são realizadas dentro da própria verdade. Existe algum lugar que não seja um Bodimandala? – um lugar sagrado, destinado à iluminação. Fundamentalmente um pátio Ch'an está fora de lugar. Mais ainda, Ch'an não significa sentar-se para meditar. O chamado pátio Ch'an e a chamada posição Ch'an são apenas para aqueles que encontram obstáculos insuperáveis dentro deles mesmos e que tem pouquíssima sabedoria nesta época de decadência do Darma.
Quando neste treinamento se adota a posição de “sentado”, o corpo e a mente devem estar sob perfeito controle. Se eles não estão sob perfeito controle um dano pequeno será ficar doente e um grande dano será o envolvimento como o demônio, o que é mais lamentável ainda. No pátio Ch'an, quando o incenso é aceso para ajudar o adepto, andando ou sentado, o objetivo é assegurar o controle do corpo e da mente. Além desta, há muitas outras formas de controlar o corpo e a mente, mas eu me referirei às mais importantes.
Quando sentado em meditação Ch'an a posição correta é a posição natural. O torso não deverá ficar inclinado para frente já que se assim acontece o calor interior será puxado para cima com o resultado que após da meditação haverá lágrimas, uma respiração difícil, falta de ar, perda de apetite e vômito de sangue. Tampouco se deverá inclinar o torso para trás, pois isto provoca sonolência com facilidade. Tão logo a sonolência é percebida, o praticante deverá manter os olhos bem abertos, levantar o torso e sacudir suavemente as nádegas, e a sonolência desaparecerá imediatamente.
Se o treinamento é conduzido com ansiedade o praticante sentirá um certo calor no peito. Nesse caso é aconselhável parar o treinamento durante o tempo que se demora para queimar meio incenso e recomeçar quando se está relaxado novamente. Se não se procede dessa maneira, com o passar do tempo desenvolver-se-á um temperamento quente e excitável, e no pior dos casos, tornar-se-á insano ou envolver-se-á com os demônios.
Quando a meditação Ch'an começa a dar resultado, ocorrerão vários estados mentais que são muitos para enumerá-los, mas se vocês não se apegam a eles, eles não causarão nenhum dano. É isso exatamente o que significa o provérbio: "Não se maravilhe com o maravilhoso e o maravilhoso desaparecerá”. Mesmo que vocês vejam espíritos obsessores de todos os tipos tentando perturbar vocês, devem ignorá-los e não ter medo deles. Mesmo que Sakyamuni Buda apareça e coloque a mão sobre suas cabeças - um hábito de Buda quando ensinava seus discípulos - e profetize sua futura Budeidade, vocês não devem prestar atenção a nada disso nem se sentir encantados por causa disso  - a visão eventual de Buda é meramente uma criação impura da mente deludida e não representa ele realmente, pois o Darmakaya é inconcebível (O Darmakaya, o corpo espiritual de Buda, invisível para todos aqueles que não sejam Budas). O Surangama Sutra diz: "O estado perfeito é aquele em que a mente não é perturbada pela santidade: a representação da santidade é produto do envolvimento com os demônios".


Como Começar o Treinamento:
Distinção entre Anfitrião e Hóspede.


Como se deve começar o treinamento Ch'an? Na assembléia de Surangama, Arya Ajnatakaundinya falou sobre a "poeira intrusa" e é justamente por onde começaremos o treinamento. Ele disse: "Por exemplo, um viajante pára numa hospedaria onde ele pernoita ou janta e logo que acaba sua refeição continua a viagem porque não tem tempo a perder. No que diz respeito ao anfitrião da hospedaria, ele não tem nenhum lugar para onde ir. Minha dedução é que aquele que não permanece é o hóspede e àquele que permanece é o anfitrião. Assim, uma coisa é intrusa quando não permanece. Quando num céu claro o sol aparece e a luz solar penetra pela janela, pode ver-se a poeira flutuando a contraluz enquanto que o espaço permanece imutável. Assim, aquilo que está imóvel é o vazio e aquilo que se move é a poeira".
A "poeira intrusa" representa o falso pensamento e o "vazio" representa a própria-natureza; isto é, o anfitrião permanente que não segue o hóspede no seu incessante "ir e vir". Isto serve para ilustrar a eterna (imutável) própria-natureza que não segue o falso pensamento no seu repentino aparecimento e desaparecimento. Por isso, é dito: "Aquele que não se importa com todas as coisas não se incomodará quando estiver rodeado de todas as coisas". Por poeira que se move por ela mesmo e não incomoda o vazio que permanece absolutamente imóvel entende-se o falso pensamento que aparece e desaparece por si mesmo e não afeta à própria-natueza que é imutável na sua condição de Butatata (qüididade). Esse é o significado do ditado: "Quando a mente não aparece, as coisas não tem culpa".
O significado da palavra "intrusa" é grosseiro enquanto que o significado da palavra "poeira" é sutil.  Os principiantes devem claramente compreender a diferença entre "anfitrião" e "hóspede" e assim não serão arrastados pelo falso pensamento. Avançando mais um pouco, eles esclarecerão o termo “vazio" e o termo "poeira intrusa" e assim não sofrerão nenhuma interferência do falso pensamento. Costuma-se dizer: "Quando o falso pensamento é conhecido não haverá nenhum dano". Investigando cuidadosamente e compreendendo tudo o que foi dito, mais da metade do que o treinamento significa ficará claro para vocês.


Hua-tou e Dúvida

Nos tempos antigos, os Patriarcas e os Ancestrais apontavam diretamente à mente para a realização da própria-natureza e para a obtenção da Budeidade. Como Bodidarma que "aquietava a mente" e o Sexto Patriarca que apenas falava sobre a percepção da própria-natureza, todos eles defendiam o completo conhecimento disso e não havia mais nada a fazer. Eles não recomendavam prestar atenção ao hua-tou, mas com o tempo descobriram que os homens não eram mais confiáveis, não estavam munidos de uma tenaz determinação, utilizavam artimanhas e jactavam-se de possuir as gemas preciosas que na realidade pertenciam aos outros. Por essas várias razões os Ancestrais foram obrigados a fundar suas próprias seitas, cada uma com seus próprios métodos e daí a técnica do hua-tou.
Há inúmeros hua-tou, mas o mais usado nos dias de hoje é: "Quem está repetindo o nome de Buda?". (No Centro de Treinamento Ch’an usamos o hua-tou: “Pára!”).
O que é um hua-tou? Literalmente, a cabeça de uma palavra. Palavra significa a palavra falada e cabeça significa o que precede a palavra. Por exemplo, quando alguém diz: "Amitaba Buda", esta é uma palavra. Antes de ser pronunciada é um hua-tou ou antepalavra. Aquilo chamado de hua-tou é o instante antes do aparecimento de um pensamento. Tão logo o pensamento aparece torna-se um hua-mei ou o rabo de uma palavra. O instante antes do aparecimento de um pensamento é chamado de "o não-nascido" ou "o incriado". Esse vazio, que não é permanente, nem impermanente, e não é móvel, nem imóvel, é chamado "o sem fim".
O incessante direcionamento do holofote para dentro de si mesmo, instante após instante, excluindo todas as outras coisas, é chamado de "prestar atenção ao hua-tou" ou "cuidar do hua-tou".
Quando se presta atenção no hua-tou o mais importante é levantar uma dúvida. A dúvida é o fundamento do hua-tou. Por exemplo, quando alguém se pergunta: "Quem está falando agora?”, todo mundo sabe quem é esse alguém que está repetindo as palavras; mas é a boca ou a mente que as repete? Se for a boca, por que ela não as repete quando esse alguém está dormindo? Se for a mente que as repete, qual é a aparência da mente? Como a mente é intangível não parece claro como é que a mente pode repeti-las. Conseqüentemente, um sentimento de dúvida aparece em relação a quem é esse "quem". Essa dúvida não deve ser grosseira, quanto mais sutil, melhor. O tempo todo em todo lugar somente essa dúvida deve ser olhada incessantemente, como uma corrente sempre fluente, sem dar origem a um segundo pensamento. Se essa dúvida persiste, não tentem livrar-se dela; se cessar devem reanimá-la suavemente. Os principiantes acharão o hua-tou mais efetivo num lugar calmo do que no meio do tumulto. Entretanto, não se deve dar lugar a uma mente discriminadora; deve permanecer-se indiferente à eficiência ou ineficiência do hua-tou e não se deve prestar atenção nem à quietude nem ao tumulto. Assim, deve trabalhar-se no treinamento com a unicidade da mente.
No hua-tou: "Quem está falando agora?", a ênfase deve recair sobre a palavra "Quem?", enquanto que as outras palavras devem servir para dar uma idéia geral do sentido da frase. Por exemplo, nos hua-tou: "Quem está comendo arroz?"; “Quem está defecando?"; “Quem está vendo televisão?”; “Quem está assistindo ao filme?”; “Quem está dirigindo o carro?”; “Quem está pensando agora?”; “Quem está pondo um fim à ignorância?; assim que se dá ênfase à palavra "Quem?", andando, parado, sentado ou deitado, poder-se-á levantar uma dúvida sem dificuldade e sem ter de usar a faculdade do pensamento para precisar e discriminar. Conseqüentemente, a palavra "Quem?" é uma maravilhosa técnica de treinamento Ch'an. Entretanto, não se deve repetir a palavra "Quem?”ou a frase "Quem está falando agora?" como os adeptos da Seita da Terra Pura, que repetem mecanicamente o nome de Buda. Nem se deve acionar a mente pensante e discriminadora procurando quem é que repete o nome de Buda. Há pessoas que incessantemente repetem a frase: "Quem está repetindo o nome de Buda?" quando seria bem melhor se elas repetissem o nome de Amitaba Buda -como o fazem os seguidores da Seita da Terra Pura- o que daria muito mais méritos. Há os que divagam pensando um monte de coisas e chamam isso de levantar uma dúvida; eles mal sabem que quanto mais pensam mais aumenta seu falso pensamento; tal como alguém que quer subir mas na realidade está descendo. Vocês devem saber tudo isso.
Comumente os principiantes levantam uma dúvida que é muito grosseira, parando de repente e depois continuando; as vezes parece familiar e as vezes parece estranha. Isto não é certamente uma dúvida e só pode ser o processo do pensamento. Quando a desvairada mente errante é gradativamente colocada sob controle, será possível colocar um freio no processo do pensamento e somente isso poderá ser chamado de "prestar atenção ao hua-tou". Mais ainda, pouco a pouco, ganhar-se-á experiência no treinamento e aí não mais haverá necessidade de levantar uma dúvida que aparecerá naturalmente. Na realidade, no começo não há nenhum treinamento efetivo já que o que existe é apenas um esforço para pôr fim ao processo do pensamento. Quando a verdadeira dúvida aparece por si mesma, isso pode ser chamado de verdadeiro treinamento. Esse é o momento em que se alcança uma saída estratégica onde é muito fácil desviar-se do caminho.
Primeiramente, há o momento em que se vivencia uma completa pureza e uma leveza extrema e perde-se a consciência, e se se olha dentro do mesmo ir-se-á entrar num estado de embotamento. Se um mestre esclarecido está presente ele perceberá imediatamente que o discípulo está nesse estado e irá bater no praticante com o bastão afastando o embotamento: muitos despertaram para a verdade desta forma.
Em segundo lugar, quando o estado de pureza e vazio aparece, se a dúvida cessa, esse é o inenarrável estado no qual o praticante é comparado com alguém sentado numa árvore seca e numa gruta ou lavando pedras com água - quando a mente desliga-se dos órgãos dos sentidos, dos objetos dos sentidos e das consciências dos sentidos, alcança-se um estado descrito como: "segurando-se firme no topo de um mastro", ou "imersão silenciosa em água estagnada", ou "sentado no límpido chão branco". Quando se alcança esse estado, deve-se estimular a dúvida que deve ser seguida imediatamente pela consciência e contemplação desse estado. A consciência desse estado é a libertação da ilusão: isto é a sabedoria (prajnã). A contemplação desse estado apaga a confusão: isto é a imperturbabilidade. Esta unicidade da mente será completamente quieta e brilhante na sua imperturbável incondicionalidade, clareza espiritual e completo entendimento, como a fumaça contínua de um fogo solitário. Quando se alcança esse estado obtém-se um olho de diamante - o indestrutível olho da sabedoria - e deve evitar-se o aparecimento de qualquer outra coisa, já que se isso acontece seria como colocar uma outra cabeça encima da cabeça - uma coisa supérflua e desnecessária que obstruiria o treinamento.
Antigamente, quando um monge perguntou ao mestre Chao Chou: "O que se deve fazer quando não há nada para carregar consigo mesmo?", Chao Chou respondeu: "Renuncia a isso". O monge disse: "A que devo renunciar se não carrego nada comigo?" Chao Chou respondeu: "Se você não consegue renunciar a isso, joga-o fora". O estágio acima mencionado é exatamente o do bebedor de água que só ele sabe se ela está fria ou morna. Isto não pode ser expresso em palavras ou discursos e aquele que alcança esse estágio o saberá claramente; assim como seria inútil descrevê-lo para alguém que não alcançou esse estágio. É isto que as próximas linhas significam:

“Quando você encontra um mestre de esgrima, mostre-lhe a espada”.
“Não dê seu poema a alguém que não seja um poeta”.


Cuidando do Hua-tou e Virando a Audição para Dentro
para Ouvir a Própria-Natureza.


Alguém pode se perguntar: "Como pode o método de Avalokitesvara Bodisatva de virar a audição para dentro para escutar a própria-natureza ser considerado treinamento Ch'an? Eu acabei de falar sobre como prestar atenção ao hua-tou. Significa que vocês devem continuamente virar o holofote para dentro e focalizá-lo "naquilo que não nasce e não morre", que é o hua-tou . Virar para dentro a audição a fim de escutar a própria-natureza significa também que vocês devem voltar sua faculdade de audição continuamente e em uma única direção, para ouvir a própria-natureza. "Virar para dentro" é "retornar”. "Aquilo que não nasce e não morre" nada mais é do que a própria-natureza. Quando a audição e a visão são seguidas do som e da forma na corrente mundana, a audição não vai além do som e a visão não vai além da forma (aparência) com a óbvia diferenciação entre ambos. Entretanto, quando se vai contra a correnteza mundana, a meditação é virada para dentro para contemplar a própria-natureza. Quando a "audição" e a "visão" não estão mais procurando o som e a forma eles tornam-se fundamentalmente puros e iluminados e não diferem um do outro. Nós devemos saber que o que chamamos de "prestar atenção no hua-tou" e "virar para dentro a audição para escutar a própria-natureza" não pode ser alcançado através do olho que olha nem do ouvido que ouve. Se o olho e o ouvido são empregados dessa forma eles estarão procurando o som e a forma e como resultado estaremos voltados para as coisas exteriores: isto é; chamado de "sucumbir à corrente mundana". Se há unicidade de pensamento morando naquilo "que não nasce e não morre", sem procurar o som e a forma; isto é: "ir contra a correnteza", "prestar atenção ao hua-tou", e "virar para dentro a audição para ouvir a própria-natureza".


A Determinação em Relação ao Abandono do Samsara
e o Desenvolvimento de uma Mente Persistente.


No treinamento Ch'an deve-se ser determinado no desejo de abandonar o estado de nascimento e de morte e deve-se desenvolver uma mente persistente. Se a mente não está determinada será impossível levantar uma dúvida e o esforço será inútil. A falta de uma mente persistente resultará em preguiça e o treinamento não será contínuo. Apenas desenvolvam uma mente persistente e a dúvida levantar-se-á por si mesma. Quando a dúvida aparece as aflições (klésa) desaparecerão sozinhas. Quando o momento chega é como a correnteza de água que abre um canal.
Agora lhes contarei uma história que eu mesmo testemunhei. No ano Keng Tsu (1900), quando oito potências mundiais mandaram suas forças expedicionárias para Pekim (depois da rebelião Boxer) eu acompanhei o Imperador Kuang Hsu e a Imperatriz Tzu Hsi na fuga da Capital. Tínhamos que nos apressar para chegar à província de Shensi. Cada dia nós caminhávamos várias dezenas de milhas e por vários dias não tínhamos o que comer. Na estrada, um pedestre ofereceu-lhe algumas cascadas de bata doce - na China as cascadas de bata doce são jogadas aos porcos - e achou-as muito saborosas,  perguntando ao homem o que eram. Vocês podem imaginar que quando o Imperador, que era cheio de etiqueta e de pompa, teve que andar uma certa distância ele ficou muito faminto. Quando ele comeu as cascadas de batata doce teve que deixar de lado toda a etiqueta e a pompa. Por que andou várias dezenas de quilômetros a pé, ficou faminto, e teve que renunciar a tudo? Porque as forças aliadas queriam a vida dele e ele tinha apenas um pensamento na mente: salvar sua vida. Mais tarde, quando foi restabelecida a paz, ele retornou à Capital, readquirindo toda a etiqueta e toda a pompa. Agora não mais teria que andar a pé nem passar fome. Se a comida não ficasse no ponto certo, não a comeria. Por que o Imperador agora era incapaz de renunciar às mínimas coisas? Porque as forças aliadas não queriam mais sua vida e porque sua mente não estava mais concentrada em escapar. Se agora ele utilizasse a mesma mente que desenvolveu para salvar sua vida na prática das tarefas religiosas, haveria alguma coisa que não poderia alcançar? Isso aconteceu porque o Imperador não tinha uma mente persistente e assim que as condições favoráveis prevaleceram seus hábitos antigos reapareceram.
Queridos amigos, o demônio assassino da impermanência está constantemente procurando nossas vidas e nunca aceitará um acordo conosco! Vamos imediatamente desenvolver uma mente persistente para sair do ciclo de nascimento e morte. O mestre Yuan Miao de Kão Feng disse: "Se estabelecermos um limite de tempo para sermos bem sucedidos no treinamento Ch'an deveremos agir como aquele homem que caiu no fundo de um buraco de mil chang - o chang equivale a 10 pés chineses - de profundidade. Seus mil ou dez mil pensamentos ficam reduzidos a uma única idéia: como sair do buraco. Ele só tem isso na mente, desde o amanhecer até o anoitecer, e desde o anoitecer até o amanhecer do dia seguinte. Se ele treina desse jeito e não realiza a verdade em três, cinco ou sete dias eu serei culpado de ter proferido um pecado verbal pelo qual pagarei no inferno onde as línguas são arrancadas". O velho mestre foi determinado na sua grande misericórdia e como estava apreensivo de que não fossemos capazes de desenvolver uma mente persistente ele fez esse grande voto para garantir nosso sucesso.
Há dificuldade e facilidade no treinamento Ch'an, tanto para os principiantes como para os veteranos.


Dificuldade dos Principiantes:
Uma Mente Dispersiva.


Os defeitos mais comuns do principiante são: a incapacidade de abandonar o falso pensamento; a ignorância causada pelo orgulho e pelo ciúme; as obstruções causadas pela concupiscência, raiva, estupidez e amor; a preguiça e a gula; e, o apego ao certo e ao errado e ao eu e aos outros. Com a barriga cheia de todos esses defeitos, como se pode ser receptivo à verdade? A maioria é "filhinho de papai", incapaz de livrar-se de seus hábitos e da menor concessão ou de suportar o mínimo contratempo. Como podem levar a frente o treinamento na prática de suas tarefas religiosas? Eles nunca pensam no nosso mestre original, Sakyamuni Buda e de sua posição quando abandonou seu lar. Algumas pessoas que conhecem um pouco da literatura usam seus conhecimentos para interpretar os ditados antigos, vangloriam-se de suas inigualáveis habilidades e consideram-se superiores -uma das dez visões erradas. Quando gravemente doentes, não são capazes de suportar o sofrimento com paciência. Quando estão prestes a morrer eles perdem a cabeça e percebem que seus conhecimentos são inúteis. Aí seu arrependimento será tardio.
Alguns levam as práticas religiosas a sério, mas não sabem como começar seu treinamento. Outros têm medo do falso pensamento mas não sabem colocar um fim nele. Assim, lamentam-se dele o dia todo e culpam-no pelas suas obstruções cármicas, perdendo o entusiasmo religioso. Alguns tentam resistir ao falso pensamento até a morte fechando furiosamente os punhos, para manter o moral elevado, comprimindo o tórax e abrindo os olhos bem abertos, como se estivessem fazendo realmente algo muito importante. Eles travam uma batalha de vida ou morte contra o falso pensamento e não somente não terão sucesso no seu intento como também acabarão vomitando sangue ou ficando doentes. São pessoas que têm medo de cair no vazio mas não sabem que estão dando asas ao demônio. Conseqüentemente, eles nem evitam o vazio nem alcançam a iluminação.
Há os que concentram suas mentes na questão do despertar e não sabem que procurar o despertar e desejar a Budeidade nada mais é do que uma grande falsidade: eles não sabem que cascalho não pode virar arroz e então terão que esperar até o ano do jumento para alcançar o despertar - não existe o ano do jumento no calendário chinês.
Há os que conseguem sentar-se em meditação durante o tempo em que se queima um ou dois incensos e assim obtêm algum benefício, mas isso equivale apenas a negra tartaruga cega que esticou sua cabeça e acertou o meio do buraco de uma madeira que flutuava no mar. Isto é o resultado de uma raríssima coincidência e não o produto do verdadeiro treinamento. Mais ainda, o demônio da felicidade já se infiltrou nas suas mentes. Há casos em que o maravilhoso estado de pureza e claridade realiza-se na quietude mas não se realiza no tumulto e por essa razão os praticantes evitam os lugares tumultuados e procuram lugares tranqüilos. Eles não percebem que já consentiram em se tornarem escravos do demônio da quietude e da agitação.
Há muitos mais casos dos que os citados anteriormente. É realmente muito difícil para os principiantes saber qual o método correto de treinamento: consciência sem contemplação levará à confusão e à instabilidade, e contemplação sem consciência é como se submergir em água parada.


Facilidade dos Principiantes:
Abandonando o Fardo do Pensamento e
Gerando um Pensamento Único.


Embora o treinamento pareça difícil, torna-se muito fácil quando o método é conhecido. Onde jaz a facilidade para os principiantes? Não há nada de engenhoso nele porque se baseia em "renunciar". Renunciar a que? Ao fardo das aflições (klésa) causadas pela ignorância. Como se renuncia a elas? Todos vocês ficaram do lado da cama de um morto. Se vocês o xingam, ele não mostrará nenhuma reação. Se vocês batem nele duas ou três vezes com o bastão ele não revidará. Antigamente ele pactuava com a ignorância mas agora não faz mais isso. Antigamente ele almejava uma boa reputação e riqueza mas agora ele não deseja mais isso. Antigamente estava dominado pelos hábitos mas agora está livre deles. Agora ele não faz mais distinções e renunciou a tudo.
Caros amigos: quando exalar o último suspiro este corpo físico nosso torna-se um cadáver. Porque precisamos deste corpo somos incapazes de renunciar a tudo resultando na criação do eu e os outros, do certo e do errado, do prazer e da dor e da aceitação e da rejeição. Se considerarmos este corpo apenas como um cadáver nós não o desejaríamos e certamente não o consideraríamos como nosso. Assim sendo, haverá alguma coisa à qual não seriamos capazes de renunciar?
Apenas temos de renunciar a tudo, dia e noite, não importa se andamos, paramos, sentamos ou deitamos, no meio tanto da quietude como da agitação, ocupados ou desocupados. Por todo o corpo, dentro e fora, deve existir apenas uma dúvida, uma uniforme, harmoniosa e contínua dúvida, sem misturar-se com nenhum outro pensamento. Em outras palavras, um hua-tou, que é comparado com uma longa espada apontada para o firmamento e pronta para cortar quem aparecer, seja um demônio ou seja um Buda. Assim, se não tememos o falso pensamento; quem nos irá perturbar, quem irá distinguir entre quietude e agitação e quem se irá apegar à existência e à não-existência? Se há o falso pensamento, esse medo aumentará o falso pensamento. Se há consciência da pureza, essa pureza imediatamente tornar-se-á impura. Se há medo de cair na não-existência, imediatamente haverá uma queda na existência. Se há o desejo de alcançar Budeidade, imediatamente haverá uma queda no caminho dos demônios. Por isso, se diz: "Carregar água e catar lenha para o fogo não são mais do que a verdade. Arar os campos e cultivar a terra são potencialidades totalmente Ch'an". Isto significa que, na prática das tarefas religiosas, não apenas o cruzar das pernas para meditar sentado pode ser considerado treinamento Ch'an.


Dificuldade dos Veteranos:
Incapacidade de Dar um Passo à Frente Depois de Ter
Alcançado o Topo do Mastro de Cem Pés de Altura.


Onde jaz a dificuldade para os veteranos? No seu treinamento, quando sua dúvida tornou-se verdadeiramente real, sua consciência e sua contemplação estão ainda ligadas ao estado de nascimento e morte e a falta de consciência e contemplação é a causa de sua queda no campo da não-existência. É realmente difícil alcançar esses estágios, mas há muitos que são incapazes de ir além deles e contentam-se com permanecer no topo de um mastro de cem pés de altura sem saber como dar um passo a frente. Outros, após terem passado por esses estágios, são capazes de alcançar na quietude alguma sabedoria que os capacite para entender alguns kung-an deixados pelos antigos; mas eles também renunciam à dúvida, e pensando que alcançaram um despertar completo, compõem poemas e gathas, piscam o olho e levantam as sobrancelhas, chamando a si mesmos de iluminados: eles não sabem que são escravos do demônio.
Há também os que não entenderam o significado das palavras de Bodidarma: "Coloque um fim na formação de todas as causas exteriores e não mantenha um coração ofegante no interior; então com a mente como uma parede você será capaz de penetrar a verdade", e as palavras do Sexto Patriarca (Hui Neng): "Não pense no bem nem no mal; neste preciso momento, qual é o verdadeiro rosto do venerável Hui Neng?". Eles acham que permanecer sentados com as pernas cruzadas como galhos podres numa gruta é o melhor caminho. Essas pessoas confundem a miragem de uma cidade com a cidade santa e uma terra estranha com sua terra natal. A história da velha senhora que queimou a cabana serve para advertir esses troncos de madeira podre.
Uma velha senhora sustentava um monge Ch'an havia vinte anos e costumava mandar todos os dias uma menina de dezesseis anos com comida e oferendas. Um dia a velha senhora ordenou à menina que lhe fizesse a seguinte pergunta: "Como é que é neste momento?" O monge respondeu: "Um tronco de árvore podre numa fria caverna, depois de três invernos não tem calor". A garota deu a resposta do monge para a velha senhora que disse: "Eu tenho feito oferendas a alguém que apenas pode provar que é um homem mundano". No dia seguinte ela expulsou o monge da caverna e tocou fogo na cabana.
O monge alcançou apenas o topo do mastro de cem pés de altura, mas negou-se a dar um passo a frente. Como ele era apenas um tronco de madeira podre, a velha senhora ficou furiosa, mandou-o embora e tocou fogo na cabana.


Facilidade dos Veteranos:
A Continuação Estrita e Ininterrupta
do Treinamento Ch'an.


Onde jaz a facilidade para os veteranos? Jaz apenas na ausência de auto-satisfação e na continuação estrita e ininterrupta do treinamento Ch'an: a rigorosidade deverá ser mais rigorosa, a continuidade mais contínua e a sutileza mais sutil. Quando o momento chega, o fundo do barril cairá sozinho - isto é, quando o fundo cai o barril esvazia-se da laca preta ou ignorância e a iluminação é alcançada; de outra forma será necessário recorrer aos mestres iluminados que ajudarão a tirar os últimos pregos ou estacas de obstrução.
A canção do Mestre Han Shan (Montanha Fria) diz:
“Do alto do pico de uma montanha
Apenas o espaço ilimitado é visto.
Como se sentar em meditação, ninguém sabe.
A lua solitária brilha sobre a piscina congelada,
Mas na piscina não há nenhuma lua,
A lua está no firmamento noturno.
Esta canção é cantada agora
Mas não há nenhum Ch'an nesta canção”.

As primeiras duas linhas mostram que aquilo que é verdadeiramente eterno é único e não pertence a nenhum gênero de coisas, brilhando luminoso sobre o universo sem encontrar nenhum tipo de obstrução. A terceira linha mostra o maravilhoso corpo do Butatatata - a realidade - que os homens deste mundo não conhecem nem pode ser localizado nem por todos os Budas dos três tempos; daí as palavras: "ninguém sabe". As próximas três linhas mostram o expediente do mestre para revelar esse estado. Nas últimas duas linhas uma especial advertência para todos nós: não confundamos o dedo com a lua; isto é, nenhuma destas palavras é o Ch'an.


Conclusão

Minha exposição é como um amontoado de coisas, um obstáculo que interfere porque onde queira que haja palavras ou discursos não há o real significado - isto é, palavras e discursos não podem expressar o inexprimível; o significado real é a realidade que não pode ser descrita ou expressa. Quando os mestres antigos recebiam seus alunos usavam seus bastões para batê-los ou gritavam para acordá-los e não havia tantas complicações como hoje em dia. Entretanto o presente não pode ser comparado ao passado e torna-se, portanto, imperativo apontar o dedo para a lua. Queridos amigos, olhem dentro disso tudo; pois, afinal de contas, quem está apontando o dedo e quem está olhando a lua?

Nenhum comentário:

Postar um comentário