quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

* PALESTRAS DIÁRIAS DURANTE UMA SEMANA DE RETIRO CH'AN

Realizadas no Mosteiro do Buda de Jade pelo Venerável Mestre Hsu Yun (1840-1959)

Tradução para o português de Wu-ming (1947-    )


O Primeiro Dia
O Venerável Wei Fang, Abade deste mosteiro, é em verdade muito compassivo e os monges-chefes também são muitos zelosos nos seus esforços de divulgar o Darma. Ademais, todos os leigos (upãsakas) aqui estão ansiosos por estudar a verdade e vieram para sentar-se em meditação durante esta semana Ch'an. Todos me solicitaram que presidisse a reunião e esta é realmente uma insuperável causa cooperativa. Entretanto, nesses últimos anos eu tenho ficado doente e é por isso que estou impossibilitado de fazer longas palestras.
O-Honrado-Pelo-Mundo passou mais de quarenta anos divulgando o Darma, tanto exotericamente como esotericamente, e seus ensinamentos são achados nas 12 divisões do Cânone Mahayana no Tripitaka. [As 12 divisões do Cânone Mahayana são: 1) Sutra, os sermões de Buda; 2) Gaya, comentários métricos; 3) Gatha, poemas ou cânticos; 4] Nidana, Sutras escritos a pedido ou em resposta a perguntas especificas; 5] Itivrttaka, narrativas; 6] Jataka, historias sobre as vidas passadas de Buda; 7] Adbuta-Darma, milagres; 8] Avadãna, parábolas, metáforas, historias e ilustrações; 9] Upadesa, discursos e discussões por pergunta e resposta; 10] Udãna, discursos de improviso; 11] Vaipula, sutras expandidos; 12] Vyãkarana, profecias.) . Se me pedem que faça as preleções o máximo que posso fazer é escolher algumas palavras ditas pelo Buda e pelos Mestres.
Com relação ao Darma de nossa Seita, quando subiu ao púlpito pela última vez, Buda levantou e mostrou para a assembléia uma flor dourada de madeira de sândalo oferecida a ele pelo Rei dos Dezoito Bramalokas. Os homens e os deuses presentes na assembléia não entenderam o gesto de Buda. Apenas Mahakasyapa acenou para ele com um amplo sorriso. Imediatamente O-Honrado-Pelo-Mundo disse: "Eu tenho o tesouro do olho do Darma Correto, a maravilhosa mente do Nirvana e a realidade sem forma que agora transmito a você". Essa foi a transmissão do Darma fora dos ensinamentos doutrinários sem o uso de textos e que era a insuperável porta do Darma para a realização direta. Aqueles que vieram depois, confundiram-se em relação a tudo isso e incorretamente o chamaram de Ch'an (Dyana em sânscrito e Zen em Japonês). Nós devemos saber que no Mahãprajnaparamita Sutra mais de vinte tipos diferentes de Ch'an são mencionados, mas nenhum deles é o último Ch'an.
O Ch'an de nossa Seita não estabelece estágios progressivos e por isso é o insuperável. Seu objetivo é a realização direta que permite a percepção da própria-natureza e o estado de Buda. Desta forma, não tem nada a ver com sentar-se ou não se sentar em meditação durante a semana Ch'an. Entretanto, por causa do embotamento das raízes dos seres vivos e devido à quantidade de falsos pensamentos, os mestres de antanho inventaram alguns artifícios para guiá-los. Dos tempos de Mahakasyapa até os dias de hoje se passaram sessenta ou setenta gerações. Durante as dinastias Tang e Sung (619-1278) a seita Ch'an difundiu-se pelos quatro cantos do país; e como floresceu naquela época! Na atualidade alcançou o fundo de sua decadência e apenas os mosteiros de Chin Shan, Kao Min e Pao Kuan, ainda dão um jeito de apresentar alguma aparência É por isso que nos dias de hoje raramente são encontrados homens de verdadeira capacidade e até a semana Ch'an mantém apenas o nome mas perdeu o espírito.
Quando o Sétimo Ancestral, Hsing Szu da montanha Ch'ing Yuan perguntou ao Sexto Patriarca: "O que devo fazer para não entrar nos estágios progressivos?" - o método de iluminação gradual que leva incontáveis eras para alcançar o estado de Buda - o Patriarca respondeu: "O que você andou praticando ultimamente?" Hsing Szu respondeu: "Eu ultimamente não andei praticando nem as Quatro Verdades Nobres" - duka (o sofrimento), samudãya (a causa), niroda (a aniquilação), e marga (o caminho); a doutrina inicialmente ensinada por Buda aos seus primeiros cinco discípulos-companheiros. O Patriarca perguntou: "Então cair em quais estágios progressivos?". Hsing Szu respondeu: "Se nem as Quatro Verdades Nobres são praticadas, onde estão os estágios progressivos?" Após ouvir isto, o Sexto Patriarca aumentou ainda mais sua grande estima por Hsing Szu.
Por causa de nossas raízes inferiores, os grandes mestres foram obrigados a usar artifícios e começaram a instruir seus discípulos para manter permanentemente uma frase chamada hua-tou. Como havia muitos adeptos da Seita da Terra Pura que na sua prática religiosa costumavam repetir o nome de Buda, os mestres os instruíram para perguntar-se: "Quem é que está repetindo o nome de Buda?” Hoje em dia este artifício é usado no treinamento Ch'an nos quatro cantos do país. Entretanto, a maioria fica confusa em relação a esse hua-tou e apenas repetem sem interrupção a frase: "Quem está repetindo o nome de Buda?". Assim, eles são meros repetidores do hua-tou, mas não investigam o sentido do hua-tou. Investigar significa perguntar-se. Por essa razão, os quatro caracteres chineses "chao-ku - hua-tou" são exibidos ostensivamente em todos os pátios Ch'an. “Chao” significa virar a luz para dentro e "ku" significa tomar conta de. Esses dois caracteres juntos significam "virar a luz para dentro para iluminar a própria-natureza". Isso significa virar nossas mentes para dentro, sempre propensas a vagar pelo mundo exterior, e isso é chamado investigar o hua-tou. "Quem é que repete o nome de Buda?" é a frase. Antes de essa frase ser expressa é chamada de hua-tou - literalmente, a cabeça da frase. Tão logo a frase é expressa torna-se o rabo da frase ou "hua-mei". Na nossa indagação sobre o hua-tou a palavra "Quem?" deve ser cuidadosamente examinada. Por exemplo, eu estou repetindo o nome de Buda neste pátio e de repente alguém me pergunta: "Quem está repetindo o nome de Buda?" Eu naturalmente respondo: "Eu estou". A pessoa pergunta-me novamente: "Se é você que está repetindo o nome de Buda, você o repete com a boca ou com a mente? Se você o repete com a boca, porque você não o repete quando dorme? Se você o repete com a mente porque você não o repete depois de morto?” Essas perguntas levantam uma dúvida em relação à nós mesmos e é essa dúvida que devemos investigar. Devemo-nos esforçar para saber de onde vem esse "Quem?" e como ele é. Nossa indagação permanente acabará virando-se para dentro e isso é também chamado de "virar a audição para dentro a fim de escutar a própria-natureza".
Quando oferecemos incenso e damos algumas voltas em torno do pátio, a nuca deverá encostar-se à gola do robe, os pés deverão seguir bem de perto a pessoa que está na frente, a mente deverá estar calma e não se deve olhar nem para à direita nem para a esquerda. Com uma mente única - isto é, a mente num único pensamento - deve-concentrar-se no hua-tou.
Quando sentados em meditação, o peito não deverá estar inclinado para frente. A energia vital (ch'i) não deverá ser levada nem para cima nem para baixo, mas deixada na sua condição natural - isto é, não se deve fixar a mente em nenhuma parte do corpo; pois como diz o ditado Taoísta "onde está nossa mente está nosso ch'i". Entretanto, os seis órgãos dos sentidos deverão ser colocados sob controle e todos os outros pensamentos banidos da mente. Apenas o hua-tou deverá ocupar a mente e essa ocupação nunca deve ser interrompida. O hua-tou não poderá ser muito grosseiro porque começará a fugir da mente e não poderá ser trazido de volta. Também não poderá ser muito sutil porque tornar-se-á difuso e fatalmente cairá no vazio. Em ambos os casos, nenhum resultado será alcançado.
Quando se toma conta do hua-tou direito, o treinamento tornar-se-á mais fácil e todos os hábitos antigos serão abandonados naturalmente. O principiante não achará nada fácil segurar o hua-tou na sua mente, mas ele não se deve preocupar com isso. Ele não deve ficar ansioso pelo despertar nem procurar a sabedoria, porque o propósito de sentar-se em meditação no pátio Ch'an já é alcançar o despertar e a sabedoria. Se orientar a mente na procura desses objetivos, ele põe outra cabeça encima da própria cabeça - uma expressão Ch'an que significa uma coisa indesejada que obstaculiza a auto-realização.
Agora nós sabemos que devemos dar lugar em nossas mentes a apenas uma frase chamada hua-tou e que devemos tomar conta dela. Se aparecem outros pensamentos, deixem os aparecer e se os ignoram eles desaparecerão. Por isso, costuma dizer-se: "Não se deve temer o aparecimento dos pensamentos mas apenas o tempo que demora em tornar-se consciente deles". Se os pensamentos aparecem, deixem nossas consciências espetar o hua-tou neles. Quando nos foge da mente devemos imediatamente trazê-lo de volta à mente.
A primeira vez que nos sentamos em meditação pode ser comparada a uma batalha contra os pensamentos nascentes. Gradualmente, o hua-tou irá ocupar a mente e tornar-se-á fácil segui-lo ininterruptamente durante o tempo que leva para queimar um incenso -em torno de 1 hora. Podemos esperar excelentes resultados quando o hua-tou não mais escapa de nossas mentes.
O que eu disse são apenas palavras vazias, agora vamos nos esforçar no treinamento Ch'an!

O Segundo Dia
Sentar-se em meditação durante uma semana Ch'an é o melhor método quando se estabelece um certo limite de tempo para realizar a verdade através da experiência pessoal. Esse método não era usado na Antigüidade porque os ancestrais tinham raízes muito firmes e conseqüentemente não precisavam dele. Foi gradualmente posto em prática a partir da dinastia Sung (960-1279). Durante a dinastia Ch'ing (1644-1912) ficou novamente em voga e o Imperador Yung Cheng costumava organizar freqüentes semanas de treinamento Ch'an no palácio imperial. Ele tinha a maior consideração pela Seita e seu próprio grau de realização do Samadi Ch'an era excelente. Mais de dez pessoas alcançaram a verdade sob o auspício imperial e o Mestre T'ien Hui Ché do Mosteiro Kao Min em Yang Chou alcançou a iluminação durante esses encontros no palácio. O Imperador também corrigiu e melhorou a observância das regras e regulamentos da Seita que floresceu e produziu tantos homens de habilidade. A estrita observância das regras e regulamentos é, portanto, da máxima importância.
Esse método de estabelecer um limite de tempo para vivenciar pessoalmente a verdade pode ser comparado a uma prova de escola. Os candidatos tomam seus lugares e escrevem suas composições de acordo com as matérias para cada uma das quais é estabelecido um limite de tempo. A matéria de nossa semana Ch'an é a meditação Ch'an. Por isso, este pátio é chamado de pátio Ch'an. Ch'an significa Dyana em sânscrito e quer dizer "abstração imperturbável". Há muitos tipos de Ch'an, tais como: o Ch'an Mahayana e Hinayana, o Ch'an material e imaterial o Ch'an dos Sravakas - um ouvinte, discípulo de Buda que compreende as Quatro Verdades Nobres, liberta-se a si mesmo da irrealidade do mundo fenomênico e entra no Nirvana incompleto - e dos Heréticos, etc. O nosso é o insuperável Ch'an. Se alguém é capaz de ver através da dúvida (mencionada na preleção de ontem) e de quebrar a raiz da vida - o ciclo da reencarnação, o nexo da doutrina Hinayana entre dois períodos de vida, aceito pela doutrina Mahayana como aparente mas não como real - esse alguém será igual ao Tatâgata - um dos nomes de Buda.
Por essa razão, o pátio Ch'an é chamado de "o lugar escolhido por Buda". Também é chamado o pátio da Sabedoria (Prajnã). O Darma ensinado neste pátio é o Wu Wei Darma ou Darma da Não-Ação. Wu Wei significa Não-Ação. Em outras palavras, nada pode ser ganho e nada pode ser feito. Se há ação - yu wei em chinês, o processo resultante das leis do Carma - haverá nascimento e morte. Se há lucro, há perda. Por isso, o Sutra diz: "Há apenas palavras e expressões que não tem nenhum significado real". A recitação dos Sutras e a realização de serviços confessionais pertencem à categoria da ação e são apenas artifícios usados pela escola do ensinamento doutrinário.
No que diz respeito a nossa Seita, seu ensinamento consiste no autoconhecimento direto para o qual não há lugar nem para palavras nem para expressões. Há algum tempo, um discípulo solicitou a ajuda do velho mestre Nan Chuan e perguntou-lhe: "O que é o Tao?" Nan Chuan respondeu: "A mente normal - isto é, a mente não-discriminadora - é a verdade". Todos os dias vestimos nossos robes e comemos arroz; vamos trabalhar e retornamos para descansar; todas nossas ações são realizadas de acordo com a verdade - isto é, sem discriminações, pois todas as atividades de nossa vida nada mais são do que as funções da própria-natureza. E porque nós ligamos a cada situação de nossa vida não percebemos que nossa própria- mente é Buda.
Quando o Mestre Ch'an Fa Ch'ang da Montanha Ta Mei, pediu ajuda ao Mestre Ma Tsu, perguntou-lhe: "O que é Buda?" Ma Tsu respondeu: "A mente é Buda". A partir desse instante Ta Mei iluminou-se completamente. Ele abandonou Ma Tsu e foi para o distrito de Szu Ming onde viveu numa cabana que pertenceu a Mei Tsu Chen. Durante o reinado de Chen Yuan (785-804) da dinastia T'ang, um monge, discípulo de Yen Kuan, foi à montanha para recolher alguns galhos de árvores para fazer bastões; perdeu-se; e chegando à cabana de Ta Mei, perguntou-lhe: "Há quanto tempo você está aqui?" Ta Mei respondeu: "Vejo apenas quatro montanhas que são azuis e amarelas"- as montanhas são imutáveis e simbolizam a própria-natureza imutável, enquanto que as cores mutantes simbolizam a aparência; isto é, o mundo fenomênico: sua própria-natureza está além do tempo. O monge disse: "Por favor, mostre-me a trilha para poder sair daqui". Ta Mei respondeu: "Siga a correnteza"- se a mente vaga pelo mundo exterior, seguirá a correnteza do nascimento e da morte. Após o seu retorno o monge contou a Yen Kuan o que viu na montanha e este último disse: "Uma vez vi um monge na Província de Chiang Hsi, mas nunca mais tive notícias dele. Será esse o monge?". Então Yen Kuan mandou o monge de volta à montanha para convidar Ta Mei a visitá-lo no mosteiro. Em resposta, Ta Mei mandou o seguinte poema:

“O tronco de uma árvore morta na floresta fria
Não se manifesta há várias primaveras,
O pássaro carpinteiro nem olhará para ele.
Como pode um estranho querer caçá-lo?
Um lago cheio de lótus produz uma ilimitada quantidade de vestes;
Dos pinheiros caem muito mais pinhas do que se pode comer
Quando os homens mundanos descobrem onde você mora
Está na hora de mudar sua cabana para longe dentro do mato”.

Ma Tsu soube que Ta Mei estava na montanha e mandou um monge para fazer-lhe a seguinte pergunta: "O que você obteve quando pediu ajuda ao grande mestre Ma Tsu e o que o levou a ficar aí?" Ta Mei respondeu: "O grande mestre disse-me que a mente é Buda e por isso decidi permanecer aqui". O monge continuou: "Acontece que o Darma de Buda do grande mestre é diferente agora". Ta Mei perguntou: "E como é agora?" O monge respondeu: "Ele diz que não é nem a mente nem Buda". Ta Mei comentou: "O velho está causando confusão na mente das pessoas e tudo isso não acabará nunca. Deixa-o dizer que não é nem a mente nem Buda. Para mim, a Mente é Buda". Quando o monge retornou e contou o diálogo com Ta Mei, Ma Tsu comentou: "A ameixa agora está madura".
Isso mostra como os antigos eram competentes e concisos. Por causa de nossas raízes fracas e de nosso pensamento desvirtuado, os mestres ensinaram-nos a ocupar nossas mentes com um hua-tou e eles foram obrigados a utilizar esse expediente. O Mestre Yung Chia disse: "Depois da eliminação do ego e do darma a obtenção da realidade destruirá o inferno de Avici num instante (ksana). Se falo uma mentira para enganar os seres vivos, eu consentirei em cair no inferno onde a língua é arrancada fora como castigo por falar um pecado verbal". O Mestre Yuan Miao de Kao Feng, disse: "O treinamento Ch'an é como jogar num lago profundo uma telha que afunda até o fundo". Quando ocupamos nossas mentes com um hua-tou, nós devemos prestar atenção nele até alcançar seu "fundo" e "quebrá-lo". O mestre Yuan Miao também jurou: "Se alguém ocupando sua mente com um hua-tou sem dar lugar a nenhum outro pensamento não consegue realizar a verdade eu estarei pronto para cair no inferno onde a língua é arrancada fora". A única razão pela qual nós não temos sucesso na nossa prática é porque nossa fé no hua-tou não é suficientemente profunda e porque nós não damos um fim ao nosso processo do pensamento. Se nós estamos os suficientemente determinados a escapar do ciclo de nascimento e morte a frase do hua-tou não poderá nunca escapar de nossa mente.  O Mestre Kuei Shan disse: "Se em cada reencarnação nós somos capazes de ocupar nossa mente com ele sem relaxar, o estágio de Buda estará garantido".
Todos os principiantes estão propensos a manter todo tipo de falsos pensamentos; eles sentem uma pequena dor nas pernas e não sabem como continuar o treinamento. A verdade é que eles devem estar absolutamente determinados a escapar do ciclo de nascimento e morte. Eles devem fixar-se no hua-tou e não importa se estão andando, parados, sentados ou deitados eles devem ocupar a mente com ele. De manhã até a noite, eles devem prestar atenção à palavra "Quem?" até tornar-se "tão claro como o reflexo da lua de outono numa piscina transparente". Deve ser clara e minuciosamente questionado e nunca se deve tornar difuso ou instável. Se isso pode ser alcançado; por que se preocupar com o estado de Buda que parece inatingível?
Quando o hua-tou torna-se difuso, vocês podem abrir seus olhos bem grande e levantar o peito suavemente; isto irá levantar o ânimo. Ao mesmo tempo não deve ser mantido muito frouxo nem se deve tornar muito sutil, porque se se torna muito sutil, cair-se-á no torpor ou no vazio. Se vocês caem no vazio, vocês apenas perceberão a quietude e experimentarão a luminosidade. Nesse momento, não se deve deixar escapar o hua-tou de forma que vocês possam dar um passo à frente depois de ter alcançado "o topo do mastro" -o instante em que se experimenta apenas a quietude e uma grande luminosidade, e que os mestres são unânimes em alertar seus discípulos a não permanecer nesse estado que não é real. De outra forma vocês cairão num vazio e nunca alcançarão o fim último.
Se ele é mantido frouxo, vocês serão facilmente assaltados por falsos pensamentos. Se os falsos pensamentos aparecem haverá muita dificuldade em suprimi-los. Desta forma, a grossura deverá ser temperada com a sutileza e a sutileza com a grossura para ter sucesso no treinamento e para realizar a mesmice do mutável e do imutável.
Há algum tempo eu estive em Chin Shan e outros mosteiros e quando o Karmadãna - o distribuidor das tarefas no mosteiro - recebia os incensos que tinha pedido previamente, seus dois pés corriam numa grande velocidade como se estivesse flutuando no ar e os monges que o seguiam também eram bons corredores - depois de uma sessão de meditação os monges costumavam marchar rapidamente em fila indiana para relaxar as pernas, precedidos pelo Karmadãna e seguidos do Abade. Assim que o sinal era dado, todos pareciam autômatos. Desta forma, como poderiam aparecer falsos pensamentos nas suas mentes? Nos dias de hoje, embora também caminhemos após uma sessão de meditação, que diferença com os tempos de antanho!
Quando vocês sentam-se em meditação não devem puxar o hua-tou para cima porque isso causará uma obscuridade. Vocês não o devem manter no peito porque isso causará dor no peito. Nem o devem empurrar para baixo porque irá dilatar a barriga e causará a recaída no campo das cinco funções - campos ilusórios criados pela mente - o que resultará em todo tipo de vícios. Com serenidade e compenetração a palavra "Quem?" deverá ser inquirida com o mesmo cuidado com que a galinha choca seus ovos e com que o gato caça o rato. Quando o hua-tou é fixado eficientemente, a raiz da vida será automaticamente cortada.
Este método, obviamente não é fácil para os principiantes, mas vocês devem exercitar-se incessantemente. Agora eu lhes darei um exemplo. O autocultivo é comparado a fazer um fogo com um pedaço de pedra. Nós devemos saber como se ascende o fogo dessa forma e se nós não sabemos o método nunca acenderemos o fogo, mesmo que partamos a pedra em vários pedacinhos. O método consiste em usar uma pequena mecha e um objeto de aço. A mecha é mantida debaixo da pedra e o objeto de aço fricciona a parte de cima da pedra de forma a dirigir a faísca no sentido da mecha que pegará fogo. Esse é o único método de fazer um fogo com uma pedra.
Embora nós saibamos muito bem que a Mente é Buda nós ainda somos incapazes de aceitar isso como um fato. Por essa razão, a frase do hua-tou é usada como faísca para começar o fogo. Ocorreu exatamente da mesma forma quando O-Honrado-Pelo-Mundo tornou-se completamente iluminado depois de fixar sua visão nas estrelas à noite. Nós não temos certeza em relação à própria-natureza porque nós não sabemos como começar um fogo. Nossa própria-natureza fundamental e o Buda não diferem um do outro. É apenas por causa de nossos pensamentos distorcidos que ainda não nos libertamos. Assim o Buda ainda é o Buda e nós ainda somos nós mesmos. Agora que conhecemos o método, se nós podemos inquirir dentro dele, será sem dúvida, uma insuperável causa cooperativa! Espero que todos aqui consigam, através do exercício, dar um passo a frente do topo do mastro de cem pés de altura e sejam eleitos Budas neste pátio e assim terão a oportunidade de pagar a dívida de gratidão para com Buda lá encima e de libertar os seres vivos aqui embaixo. Se o Darma de Buda não produz homens de habilidade é porque ninguém aqui está a fim de exercitar-se. Nosso coração enche-se de tristeza quando falamos desse estado de coisas. Se nós realmente temos uma fé profunda nas palavras expressas sob juramento pelos mestres Yung Chia e Yuan Miao, nós também teremos certeza de que realizaremos a verdade. Agora é o momento de se esforçar!

O Terceiro Dia
O tempo em verdade passa rápido: apenas acabamos de abrir esta semana Ch'an e já é o terceiro dia. Aqueles que têm ocupado eficientemente suas mentes com o hua-tou foram capazes de desanuviar seus apegos e seus pensamentos errados; agora eles podem ir direto para o lar - uma expressão idiomática Ch'an que significa o retorno à própria-natureza, a realização do real, nossa própria-natureza de Buda. Por isso, um mestre ancestral disse:

“Não há nenhum outro método para o autocultivo;
Requer o conhecimento do Caminho (Tao).
Quando o Caminho é conhecido
O nascimento e a morte acabam no ato”.

Nosso Caminho (Tao) consiste em abandonar nossa bagagem - nosso corpo, nossa mente e tudo o aparente que nós prezamos - e nosso lar estará muito perto. O Sexto Patriarca disse: "Se o pensamento precedente não aparece é a Mente. Se o pensamento seguinte não acaba é Buda". Isto é a eterna própria-natureza que não nasce nem morre.
Fundamentalmente, nossos quatro elementos são vazios e as cinco funções (skandhas) não existem. É apenas por causa de nossos falsos pensamentos que se ligam a tudo que nós gostamos da ilusão do mundo impermanente e somos, conseqüentemente, mantidos em cativeiro. Assim, somos incapazes de perceber o vazio dos quatro elementos e de realizar a inexistência do ciclo de nascimento e morte. Entretanto, se num único pensamento conseguimos a experiência daquilo que não nasceu não haverá necessidade de aquelas portas do Darma expostas por Sakyamuni Buda. Se isso acontece; como se pode dizer que não é possível colocar um fim ao nascimento e à morte?
Por essa razão, o brilho do Darma de nossa Seita realmente ilumina o espaço ilimitado nas dez direções.
Mestre Teh Shan era nativo da cidade de Chien Chou em Szu Ch'uan. Seu sobrenome era Chou. Ele saiu de casa aos vinte anos de idade e depois de ser ordenado, estudou o Vinaya Pitaka - uma das três divisões do Tripitaka (o cânone Budista, formado pelos Sutras, pelo Vianaya e pelos Sastras) onde são expostos as regras e regulamentos de disciplina (Sila) - tornando-se um mestre nesses assuntos. Ele era versado no ensinamento do numinoso e do fenomênico como está explicado nos Sutras (Sermões). Ele costumava ensinar o Sutra do Diamante e por isso era chamado de "Diamante Chou". Ele dizia a seus discípulos:

“Quando um cabelo engole o oceano
Não se perde a natureza - oceano.
Acertar o olho da agulha com uma semente de mostarda
Não afeta o olho da agulha.
De saiksa e asaiksa
Somente eu sei”.

Quando ele ouviu que a Seita Ch'an estava florescendo no Sul ele não se conteve e disse: "Todos os que deixam o lar levam mil eras para aprender um comportamento respeitoso a Buda - dignidade, andando, parado, sentado e deitado - e dez mil eras para estudar os feitos sutis de Buda, e a despeito disso, eles são incapazes de alcançar a Budeidade. Como podem esses demônios do Sul ousar dizer que o direto apontamento da mente leva à percepção da própria-natureza e à obtenção da Budeidade? Eu devo ir para o Sul a fim de varrer seu retiro do mapa e acabar com sua raça e assim pagar minha dívida de gratidão para com Buda".
Ele partiu da Província de Szu Ch'uan com o comentário de Ch'ing Lung - o comentário do Sutra do Diamante de Tao Yin do Mosteiro Ch'ing Lung - nas suas costas. Quando ele chegou a Li Yang, viu uma velha mulher vendendo "tien-hsin" (literalmente, refresco da mente) na beira da estrada. Ele parou, colocou os livros no chão e tentou comprar um refresco para a mente. A velha mulher apontou para os livros e perguntou: "De que trata essa literatura?" Teh Shan respondeu: "O comentário de Ch'ing Lung". A velha mulher perguntou: "Comentário sobre qual Sutra?" Teh Shan respondeu: "Do Sutra do Diamante". A velha mulher disse: "Eu tenho uma pergunta a lhe fazer. Se você consegue respondê-la eu lhe darei o refresco de graça, mas se você não consegue respondê-la, por favor vá embora. O Sutra do Diamante diz: 'A mente passada, presente e futura não pode ser encontrada'. O que você quer refrescar então?”
Teh Shan ficou calado e assim foi embora para o mosteiro do Lago do Dragão sem tomar o refresco. Ele entrou no pátio do Darma e disse: "Há muito tempo que eu desejava ver o Lago do Dragão, mas agora que estou aqui não há nenhum lago para ver nem aparece nenhum dragão". Ouvindo isso, Mestre Lung T'an saiu e disse: "Você realmente chegou ao Lago do Dragão". Teh Shan ficou calado, decidindo permanecer no mosteiro. Lung T'an era um mestre iluminado. A frase: "Você realmente chegou ao Lago do Dragão" significa: você realmente está na frente do estado de Lung T'an ou do iluminado, porque o real é invisível e não aparece perante os olhos daquele que não está iluminado. Teh Shan não entendeu o significado da frase e ficou calado. Essa foi a segunda vez que ficou mudo, sendo a primeira quando a velha mulher perguntou-lhe sobre a mente passada, presente e futura. Ele ainda não estava iluminado, mas mais tarde, após sua iluminação, tornou-se um eminente mestre Ch'an.
Uma noite, enquanto estava em pé ao lado de Lung T'an, o mestre disse: "É tarde agora porque você não se retira aos seus aposentos?" Após dar a boa noite para seu mestre ele saiu mas voltou imediatamente e disse. "Está muito escuro lá fora". Lung T'an ascendeu uma tocha de papel e entregou-a para ele. Quando Teh Shan estava prestes a pegar a tocha, Lung T'an com um sopro apagou-a. Lung T'an era um mestre eminente e sabia que era o momento certo para iluminar Teh Shan. Teh Shan percebeu a própria-natureza do seu mestre através da função de apagar a tocha. Ao mesmo tempo, Teh Shan percebeu "aquilo" que viu a tocha apagar; isto é, sua própria-natureza.
A partir desse momento Teh Shan iluminou-se completamente e fez uma reverência de agradecimento para seu mestre. Lung T'an perguntou: "O que você viu?" Teh Shan respondeu: "No futuro eu não terei mais nenhuma dúvida sobre a ponta da língua dos velhos monges por todo o país” - uma expressão idiomática chinesa que se refere aos eminentes mestres Ch'an que eram intransigentes no ensino e na orientação de seus discípulos.
No dia seguinte, Lung T'an subiu ao púlpito e disse à assembléia: "Há um sujeito cujos dentes são como uma árvore de folhas afiadas como uma espada e cuja boca parece um banho de sangue - um sujeito que inspira medo como os dois infernos onde há montanhas de espadas afiadas ou árvores com folhas de lâminas de espada e banhos de sangue para punir os pecadores. Ele recebe uma bastonada e nem vira a cabeça. Mais tarde irá colocar minha doutrina no topo de um pico solitário". Lung T'an predisse a severidade com que Teh Shan receberia, ensinaria e treinaria seus discípulos. Os mestres Ch'an freqüentemente usam seus bastões para bater nos seus discípulos provocando o despertar. A bastonada aqui mencionada refere-se à iluminação de Teh Shan após "ver" o seu mestre apagar a tocha. Teh Shan não virou a cabeça porque estava realmente iluminado e não tinha mais nenhuma dúvida sobre sua própria-natureza.
Na frente do pátio do Darma, Teh Shan espalhou no chão todas as folhas do comentário de Ch'ing Lung e levantando uma tocha disse: "Uma discussão exaustiva sobre o abstruso é como um cabelo colocado no grande vazio e o esforço até o limite das habilidades humanas são como uma gota de água no oceano". Então, queimou o manuscrito, desejou boa sorte a seu mestre e foi embora do mosteiro.
Teh Shan foi direto para o mosteiro Kuei Shan e entrando no pátio do Darma com a bagagem debaixo do braço, atravessou-o primeiro no sentido leste-oeste e depois no sentido oeste-leste. Ele olhou para o mestre Kuei Shan e perguntou-lhe: "Alguma coisa, alguma coisa?". Kuei Shan estava sentado no pátio mas ignorou a presença do visitante. Teh Shan respondeu: "Nada, nada" e deixou o pátio. Esse movimento do leste para o oeste e do oeste para o leste significa o "ir e vir" inexistente no Darmadatu - o campo do Darma - no qual o Darmakaya - o corpo na sua natureza essencial tão sutil que apenas os Budas podem ver - permanece imutável e invariável. A pergunta de Teh Shan: "Alguma coisa, alguma coisa?", e a resposta: "Nada, nada", servem para enfatizar o nada no espaço.
Quando ele chegou à porta da frente do mosteiro, disse para si mesmo: "Eu não deveria ter sido tão descuidado". Então, deu meia volta e entrou novamente no mosteiro cheio de cerimônia. Enquanto atravessava o pátio três vezes, ele tirou da bagagem e estendeu o nisidana - um tapete de pano usado para permanecer sentado - e chamou: "Venerável Upadyaya". No instante em que Kuei Shan ia levantar o espanador, Teh Shan deu um grito e saiu do pátio. O espanador dos mestres antigos era feito da crina do cavalo amarrado num cabo numa das pontas e era usado para revelar a função da própria-natureza. O grito era para "aquilo" que gritava; isto é, a própria-natureza. Teh Shan tirou e estendeu seu nisidana chamando pelo "Venerável Upadhyaya" para mostrar a função daquilo que tirou e estendeu o nisidana chamando Kuei Shan. Quando o Mestre estava prestes a levantar o espanador para testar o grau de iluminação do visitante, Teh Shan gritou justamente para mostrar a presença da substância-essência daquilo que visitava o anfitrião. Teh Shan saiu do pátio e foi embora para mostrar o retorno da função à substância. Assim, a iluminação de Teh Shan era completa porque ambos, a função e a substância ou Prajnã e Samadi, estavam no mesmo nível. Conseqüentemente, não havia necessidade de nenhuma instrução adicional e qualquer outro teste teria sido inútil.
Essa noite, Kuei Shan perguntou ao líder da assembléia: "Está o recém chegado ainda aqui?" O líder respondeu: "Quando ele deixou o pátio, deu meia volta, botou suas sandálias de corda e foi embora".  Kuei Shan disse: "Daqui a algum tempo, esse homem irá a um pico solitário onde construirá uma cabana de sapé, xingará os Budas e amaldiçoará os Patriarcas". Teh Shan "xingará" Budas ilusórios e "amaldiçoará" Patriarcas ilusórios que apenas existem nas mentes impuras dos discípulos deludidos, já que essas mentes condicionadas e discriminadoras só podem criar Budas e Patriarcas impuros. O ensinamento de Teh Shan estava baseado apenas na Prajnã absoluta onde não há lugar para sentimentos e discriminações mundanas, as causas do nascimento e da morte.
Teh Shan permaneceu trinta anos em Li Yang. Durante a perseguição aos Budistas promovida pelo Imperador Wu Tsung (841-846) durante a dinastia T'ang, o mestre refugiou-se numa caverna na montanha Tu Fou em 847 d.C. No começo do reino de Ta Chung o prefeito de Wu Ling, Hsieh T'ing Wang, restaurou o mosteiro de Teh Shan e chamou-o de Ko Teh Hall. Ele estava procurando alguém de reconhecida capacidade para encarregar-se do mosteiro quando ouviu falar da reputação do mestre. A despeito de vários convites, Teh Shan recusou-se a descer da montanha Tu Fou. Finalmente o Prefeito planejou um estratagema e enviou alguns fiscais acusando-o de contrabandear chá e sal. Quando o mestre foi levado à Prefeitura, o Prefeito fez uma reverência e convidou-o de forma irrecusável para tomar conta do pátio Ch'an onde Teh Shan espalhou os ensinamentos da Seita.
Mais tarde, as pessoas comentavam sobre os gritos de Teh Shan e as surras de Lin Chi, o fundador da Seita Lin Chi, uma das cinco Seitas Ch'an da China. Se podemos disciplinar-nos como esses dois mestres; por que não seriamos capazes de colocar um fim ao ciclo de nascimento e morte? Depois de Teh Shan vieram Yen T'ou e Hsueh Feng. Depois de Hsueh Feng vieram Yun Men e Fa Yen - Yun Men e Fa Yen foram os fundadores das Seitas Yun Men e Fa Yen, respectivamente, duas das cinco Seitas Ch'an da China - e também o mestre Teh Shao e o ancestral Yen Shou do mosteiro Yung Ming.  Todos eles foram "produto" de Teh Shan.
Durante as dinastias seguintes a Seita continuou pela mão de grandes ancestrais e mestres. Vocês estão aqui para experimentar uma semana Ch'an e vocês compreendem muito bem esta doutrina insuperável que permitir-nos-á alcançar sem obstáculos o autoconhecimento direto e a libertação do ciclo de nascimento e morte. Entretanto, se vocês brincam com ele e não treinam seriamente ou desde o amanhecer até o anoitecer preferem olhar o "demônio na sombra brilhante" ou tornar o seu interior "o antro das palavras e das expressões", vocês nunca escaparão do ciclo de nascimento e morte. Se, enquanto sentados meditando, vocês deliciam-se com falsas visões ou com uma interpretação incorreta dos Sutras e dos ditados, nunca alcançarão a realidade. Agora, todos vocês se esforcem ao máximo!

O Quarto Dia.
Este é o quarto dia de nossa semana Ch'an. Vocês têm-se esforçado no seu treinamento; alguns de vocês compuseram poemas e gathas que me foram apresentados para verificação. Isto não é fácil, mas os que realizaram esforços nesse sentido devem ter esquecido minhas duas preleções anteriores. Ontem a noite, eu disse:

“Não há nenhum outro método para o autocultivo;
Requer o conhecimento do Caminho (Tao)”.

Nós estamos aqui para inquirir dentro do hua-tou que é o caminho que deveríamos seguir. Nosso propósito é não ter dúvida em relação ao ciclo de nascimento e morte e alcançar a Budeidade. Para não se ter nenhuma dúvida sobre o ciclo de nascimento e morte é necessário recorrer ao hua-tou que deve ser usado como a espada preciosa do Rei Vajra - a mais forte e afiada espada preciosa - para cortar a cabeça dos demônios e Budas quando eles aparecem - isto é, falsas visões de demônios e Budas durante a meditação - de forma que nenhum sentimento permaneça nem uma única coisa se estabeleça. Desta forma, como poderia haver pensamentos errados sobre a composição de poemas e gathas e à visão do vazio e do brilho? Os principiantes freqüentemente vêm o vazio e o brilho tão logo todos os pensamentos são eliminados. Embora essas visões representem algum progresso no treinamento, elas não devem ser consideradas como realizações. O praticante deverá permanecer indiferente a elas uma vez que são criações da mente ilusória e deverá permanecer firme no hua-tou . Se vocês se esforçaram num caminho tão errado eu não sei para onde foi seu hua-tou. Os monges Ch'an com experiência não precisam falar mais sobre isto, mas os principiantes devem ter muito cuidado.
Como estava apreensivo de que vocês poderiam não saber como desenvolver o treinamento Ch'an durante os dois últimos dias eu falei sobre o propósito de sentar-se para meditar durante uma semana Ch'an, o valor desse método criado pela nossa Seita e a forma de canalizar os esforços. Esse método consiste em concentrar a mente no hua-tou, o que não deve ser interrompido dia e noite da mesma forma que a água de uma nascente. Deve ser espirituoso e claro e nunca difuso. Deve ser constantemente cognoscível. Todos os sentimentos mundanos e as interpretações racionais devem ser cortados por ele (o hua-tou). Um mestre antigo, disse:

“Estude a verdade como se defendesse uma fortaleza
Que, quando sitiada, deve ser defendida a qualquer custo.
Se o frio intenso não chega até os ossos,
Como pode ser o broto de ameixa, fragrante?”.

Essas quatro linhas provêm do Mestre Huang Po e tem dois significados. As primeiras duas linhas descrevem aqueles que na prática do treinamento Ch'an devem manter suas mentes ocupadas no hua-tou da mesma forma que um soldado defende uma fortaleza onde nenhum inimigo pode entrar. Esta é a incansável defesa da fortaleza. Cada um de nós tem uma mente composta da oitava, da sétima, da sexta e das primeiras cinco consciências (vijnanas). As primeiras cinco consciências são as ladroas do olho, do ouvido, do nariz, da língua, e do corpo. A sexta consciência é a ladroa do intelecto (mano-vijnana) e lidera as cinco primeiras consciências na procura de objetos exteriores -isto é, a forma, o som, o cheiro, o sabor e o tato. A sétima consciência é a ladroa da discriminação (klista-mano-vijnana), e dia e noite segura o "sujeito" da oitava consciência (alaya-vijnana) confundindo-o com o "ego". Desta forma, constantemente iludida e presa, a oitava consciência ou consciência armazenadora, é mantida em cativeiro sem conseguir libertar-se. Por essa razão somos obrigados a recorrer ao hua-tou e usá-lo como a "Espada Preciosa do Rei Vajra" para matar todos esses ladrões de forma que a oitava consciência possa se transmutar no "Grande Espelho da Sabedoria"; a sétima consciência, na "Sabedoria da Igualdade"; a sexta consciência, na "Sabedoria da Observação Profunda"; e, as cinco primeiras consciências, na "Sabedoria Perfeita"- conferir o Sutra do Sexto Patriarca, o Sutra do Altar de Hui Neng. É da máxima importância a transmutação da sexta e da sétima consciências em primeiro lugar, pois elas desempenham um papel fundamental por causa de suas faculdades do intelecto e da discriminação. Enquanto vocês estavam "vendo" o vazio e a claridade e "compondo" poemas e gathas, a sexta e a sétima consciências estavam desenvolvendo suas funções malignas. Hoje, nós devemos usar este hua-tou para transmutar a consciência do intelecto na "Sabedoria da Observação Profunda" e a consciência discriminadora -a mente que diferencia entre o ego (o corpo e a mente) e a personalidade (o espírito)- na Sabedoria da Igualdade. Isto é chamado a transmutação da consciência em sabedoria (Prajnã) e a transformação do mundano em santificado. É importante não permitir que esses ladrões que gostam da forma, do som, do cheiro, do gosto, do tato, e do darma (as coisas em geral), nos ataquem. Assim, isto é comparado à defesa de uma fortaleza.
As últimas duas linhas ilustram os seres vivos nos três mundos da existência - mundo do desejo, mundo da forma e mundo da não-forma - que estão engalfinhados no oceano do nascimento e da morte, amarrados aos cinco desejos - os cinco desejos que provém dos objetos dos cinco sentidos: coisas vistas, ouvidas, cheiradas, degustadas e tocadas - iludidos pelos seus apegos e incapazes de libertar-se. Aqui, o termo broto de ameixa é usado como uma ilustração, já que essas árvores de ameixa florescem em plena neve. Em geral, os insetos e as plantas nascem na primavera, crescem no verão, permanecem estacionários no outono e hibernam ou morrem no inverno. A neve inclusive assenta a poeira que está gelada e não pode flutuar no ar. Esses insetos, plantas e poeira são comparados com nosso pensamento incorreto, discernimento, ignorância, inveja e ciúme, que resultam da contaminação dos três venenos - concupiscência ou desejo errado, ódio ou ressentimento e estupidez. Quando nos livramos dessas impurezas, nossas mentes permanecem naturalmente confortáveis e os brotos de ameixa fragrantes na neve. Mas vocês devem saber que essas árvores de ameixa florescem no frio amargo e não na amorosa brilhante primavera ou na suave brisa de um clima agradável. Se nós queremos que as flores de nossa mente floresçam, não podemos esperar esse florescimento no meio do prazer, raiva, tristeza e felicidade. Se estivermos confusos em relação às oito consciências o resultado não poderá ser classificado - isto é, será neutro, nem bom nem ruim, coisas que são produto da inocência ou não podem ser classificadas em nenhuma categoria moral. Se atos ruins são cometidos, o resultado será ruim; se atos bons são realizados, o resultado será bom.
Há dois tipos de natureza inclassificável; os sonhos e o vazio morto. A natureza inclassificável dos sonhos é aquela das crises ilusórias que aparecem num sonho e sem relação com nossas atividades diárias. Esse é o estado de uma consciência do intelecto (mano-vijana) independente - isto é, independente das primeiras cinco consciências. Isto também é chamado de estado inclassificado independente.
O que significa o inclassificado vazio morto? Nas nossas meditações, se perdermos o hua-tou de vista enquanto permanecermos na quietude, aí acontece um vazio indistinto dentro do qual não há nada. O apego a esse estado de quietude é uma doença Ch'an que nunca deve ser contraída enquanto praticamos nosso treinamento. Esse é o inclassificável vazio morto.
O que devemos fazer, durante o dia inteiro, é manter nossas mentes ocupadas com o hua-tou, sem soltá-lo por um segundo e deverá ser vivaz, brilhante, diáfano, nítido e constantemente perceptível. Essa é a condição a ser obtida, não importa se andamos ou sentamos. Por essa razão, o antigo mestre disse:

“Quando se anda, nada mais Ch'an;
Quando se senta, nada mais Ch'an.
O corpo está em paz
Quando se fala ou se movimenta”.

O ancestral Han Shan, disse:

“Do alto do pico de uma montanha
Apenas o espaço ilimitado é visto.
Como se sentar em meditação ninguém sabe.
A lua solitária brilha na piscina congelada;
Mas na piscina não há nenhuma lua;
A lua está no firmamento noturno.
Esta canção é cantada agora.
Mas não há nenhum Ch'an nesta canção”.

Vocês e eu devemos ter uma causa cooperativa, que é a explicação de eu ter esta oportunidade de iniciar vocês no treinamento Ch'an. Espero que vocês se esforcem e façam progressos constantes e que não usem suas mentes de forma incorreta.
Agora lhes contarei outra história, um kung-an (ou koan, em japonês). Depois que Chi Tsu, o fundador do mosteiro Hsi T'an (Siddham, em sânscrito) na Montanha Pé de Galo, foi embora de casa ele recorreu aos mestres iluminados para sua instrução e fez grandes progressos. Um dia ele parou numa pousada e ouviu uma moça numa loja de venda de coalho de soja cantando esta canção:

“Coalho de soja Chang e coalho de soja Li
Enquanto suas cabeças descansam no travesseiro,
Vocês pensam mil pensamentos,
Porém amanhã vocês venderão coalho de soja novamente”.

O mestre estava sentado meditando e depois de ouvir esta canção, iluminou-se instantaneamente. Na sua meditação, o mestre já tinha eliminado todos os pensamentos e depois de ouvir a canção ele instantaneamente percebeu "aquilo" que ouviu a canção: sua própria-natureza. Isto é chamado de iluminação completa de Avalokitesvara através da audição, ou virando para dentro a faculdade da audição para escutar a própria-natureza - conferir o Surangama Sutra. Isto mostra que quando os antigos praticavam o treinamento não havia nenhuma necessidade da fazê-lo num pátio Ch'an para experimentar a verdade. O autocultivo e o treinamento jazem na Mente Única. Assim, por favor, não permitam que suas mentes sejam perturbadas para não perder seu tempo. Se isso acontecer, vocês estarão vendendo de novo coalho de soja amanhã de manhã. O coalho é feito do feijão de soja e é tão barato que apenas as pessoas muito pobres costumam vendê-lo. Por essa razão elas nunca estão satisfeitas com o que ganham e estão sempre procurando fazer algo mais lucrativo.

O Quinto Dia
Sobre este método de autocultivo pode ser dito que é fácil e difícil ao mesmo tempo. É fácil porque é realmente fácil e é difícil porque é realmente difícil.
É fácil porque vocês apenas precisam abandonar todos os pensamentos, ter uma fé inabalável neste método e desenvolver uma mente persistente. Esses requisitos garantem o sucesso.
É difícil porque vocês têm medo de longos sofrimentos por causa do desejo de viver confortavelmente. Vocês deveriam saber que todas as ocupações mundanas também requerem estudo e treinamento antes de alcançar-se o sucesso; quanto mais quando queremos aprender a sabedoria dos mestres para tornar-nos Budas e Patriarcas! Poderemos alcançar nosso objetivo se agirmos inconseqüentemente?
Assim, o primeiro requisito é manter a mente firme e concentrada no nosso autocultivo e na prática da verdade. Nesta tarefa não podemos impedir de sermos obstruídos pelos demônios. Essas obstruções demoníacas provêm de fatores cármicos externos provocados pelo nosso apego às formas, sons, cheiros, sabores, sensações e coisas, como foi dito na minha preleção de ontem. Esse meio ambiente cármico é nosso inimigo durante toda nossa vida e na morte. Por essa razão, há muitos Sutras que falam sobre os mestres do Darma que não conseguiam permanecer firme no meio desse ambiente por causa de suas mentes religiosas indecisas.
O próximo requisito a ser desenvolvido é uma mente persistente. Desde nosso nascimento neste mundo criamos ilimitados carmas e se agora desejamos cultivar a nós mesmos com o intuito de escapar do ciclo de nascimento e morte; seremos capazes de apagar todos nossos velhos hábitos de repente? Nós tempos antigos havia ancestrais como o mestre Ch'an Ch'ang Ch'ing que se sentou em meditação até gastar sete esteiras e como o mestre Ch'an Chao Chou que perambulou de lugar em lugar procurando instrução aos oitenta anos de idade, após ter passado quarenta anos meditando na palavra "wu" - não, em português - sem manter nem um único pensamento na sua mente. Eles finalmente conseguiram a iluminação completa e os príncipes dos estados de Yen e de Chao reverenciaram-nos, fazendo-lhes oferendas. Durante a dinastia Ch'ing, o Imperador Yung Cheng (1723-35), que tinha lido seus ditados e os achou excelentes, agraciou-os com o título póstumo de Budas da Antigüidade. Esse é o resultado alcançado após uma vida inteira de austeridade. Se nós formos capazes agora de apagar todos nossos hábitos antigos para purificar nosso pensamento-único estaremos em igualdade com os Budas e os Patriarcas. O Surangama Sutra diz: "É como a purificação da água barrenta guardada numa caixa de água limpa; se deixada sem ser mexida em quietude completa, a areia e a lama irão para o fundo. Quando a água límpida aparece, isto é chamado a primeira supressão do intruso elemento do mal do apego” - agamtu-klesa, em Sânscrito, o átomo estranho ou elemento intruso que se infiltra na mente e causa a infelicidade e a delusão: a mente tornar-se-á pura após a expulsão de elemento do mal. "Quando a lama for removida deixando para trás apenas a água límpida, isso é chamado a eliminação permanente da ignorância básica". A água é o símbolo da própria-natureza e a lama da ignorância causada pelos apegos. Nossos apegos habituais são comparados à lama e ao sedimento e é por isso que devemos usar o hua-tou. O hua-tou é comparado ao alume usado para clarear a água lamacenta da mesma forma como os apegos são dominados. Se durante o treinamento, o praticante consegue alcançar a unidade do corpo e da mente e como resultado a condição de quietude, ele deve ter cuidado e não permanecer nela. Ele deve saber que isso é apenas um passo inicial mas a ignorância causada pelos apegos não esta extinta ainda. Isso é apenas a mente deludida alcançando o estado de pureza, tal como a água lamacenta que, embora purificada, ainda contém lama e sedimento no fundo. Vocês devem fazer esforços adicionais para avançar mais ainda. Um mestre ancestral, disse:

“Sentado no topo de um mastro de cem pés de altura
Perceber-se-á aquilo que não é real.
Quando do topo do mastro dá-se um passo a frente
O corpo estender-se-á por todo o Universo”.

Se vocês não dão esse passo a frente vocês confundirão a miragem de uma casa estranha com seu próprio lar e seus apegos poderão aparecer novamente. Nesse caso, será difícil para vocês tornar- se iluminado até para si mesmos - Sravaka, em contraste com o Bodisatva que procura a própria iluminação para iluminar os outros. Por essa razão, a lama deve ser removida para reter a água límpida.  Essa é a permanente extinção da ignorância básica e somente então pode a Budeidade ser alcançada. Quando a ignorância é extinta permanentemente vocês serão capazes de aparecer na forma corporal nas dez direções do Universo para expor o Darma da mesma forma que Avalokitesvara Bodisatva, que pode aparecer de trinta e duas formas e que ao manifestar-se para ensinar o Darma pode escolher a forma mais apropriada para libertar um ser vivo que corresponda. Vocês ficarão livres de impedimentos e desfrutarão de independência e conforto em qualquer lugar, mesmo numa casa de prostituição, num botequim, na barriga de uma vaca ou égua ou mula, no paraíso ou no inferno (o mais baixo dos seis mundos da existência).
Por outro lado, um pensamento discriminador enviará vocês de volta para a roda de ciclo de nascimento e morte. Antigamente, Ch'in Kuai - um funcionário da Dinastia Sung, responsável pela execução do bom comandante Yueh Feh, foi universalmente execrado pelo seu ato e seu nome tornou-se sinônimo de traidor - que em vidas passadas tinha oferecido incenso e velas a Ksitigarbha Bodisatva, mas não desenvolveu uma mente persistente no treinamento por causa de seu fracasso na extinção da ignorância causada pelos apegos, foi vítima de sua mente odienta na seguinte encarnação. Este é apenas um exemplo.
Se sua fé é inabalável e sua persistência inquebrantável, vocês serão capazes na sua forma corporal presente de alcançar a Budeidade, mesmo que sejam pessoas comuns.
Há muito tempo, um homem pobre ingressou na ordem (Sanga) do mosteiro. Embora fosse diligente na prática do autocultivo, ele desconhecia o método. Como não sabia a quem perguntar decidiu fazer os trabalhos mais pesados dia após dia. Um dia um monge itinerante chegou ao mosteiro e viu o homem fazendo os trabalhos mais pesados. O monge perguntou-lhe sobre a prática e o homem respondeu: "Todos os dias eu faço este trabalho pesado. Por favor, ensina-me o método do autocultivo". O monge respondeu: "Você deve perguntar-se:’Quem é que repete o nome de Buda?’”. Seguindo as instruções do monge itinerante, o homem passou a ocupar a mente com a palavra "Quem?" enquanto fazia seu trabalho diário. Mais tarde, ele foi morar numa gruta numa ilhota para continuar seu treinamento usando folhas como vestimenta e plantas como alimento. Sua mãe e sua irmã, que ainda viviam, souberam de seu retiro numa gruta numa ilhota onde ele passava privações no seu autocultivo. Sua mãe mandou sua irmã levar algumas roupas e provisões. Quando ela chegou viu o irmão sentado meditando. Ela chamou-o, mas ele não respondeu, ela sacudiu-o, mas ele não mexeu uma pestana. Vendo que seu irmão nem a olhava nem a cumprimentava ela desistiu, deixou as roupas e as provisões e voltou para casa. Treze anos mais tarde, ela voltou para visitá-lo e viu as roupas ainda no mesmo lugar onde as tinha deixado.
Mais tarde, um refugiado faminto chegou à gruta onde viu um monge vestindo farrapos. Ele entrou e suplicou por comida. O monge levantou-se e saiu da gruta para juntar algumas pedras que colocou numa panela com água. Depois de cozinhá-las por alguns minutos, tirou-as da panela e convidou o visitante a comê-las. As pedras pareciam batatas e quando o visitante ficou satisfeito o monge disse: "Por favor, não comenta com ninguém sobre este almoço".
Algum tempo depois, o monge pensou com ele mesmo: "Eu permaneci aqui tantos anos desenvolvendo meu autocultivo que agora devo criar causas propícias para o bem-estar dos outros. Desta forma ele partiu para Hsia Men, uma cidade na costa sul da Província de Fu Chien, onde construiu uma cabana de sapé na beira da estrada, oferecendo chá de graça para os visitantes. Isto aconteceu durante o reinado de Wan Li (1573-1619) na época em que a Imperatriz mãe fez a passagem. O Imperador queria convidar eminentes monges para realizar as cerimônias Budistas para o bem-estar de sua mãe morta. A princípio ele pensou em convidar alguns monges da capital, mas nesse momento não havia nenhum monge eminente ali. Uma noite, o Imperador viu num sonho sua mãe dizer-lhe que havia um monge na Prefeitura de Chang Chou na Província de Fu Chien. O Imperador mandou alguns oficiais convidando os monges locais a realizar a cerimônia. Quando os monges com suas bagagens partiram rumo à capital eles passaram pela cabana do monge pobre, que lhes perguntou: "Veneráveis mestres, o que os faz tão felizes e para onde se dirigem?” Eles responderam: "O Imperador mandou chamar-nos à capital para realizar as cerimônias para o espírito da Imperatriz Mãe". O monge pobre disse: "Posso ir com vocês?" Eles responderam: "Você é tão miserável; como é que pode ir conosco?" Ele disse: "Eu não sei como recitar os Sutras mas posso carregar as bagagens para vocês. Vale a pena visitar a capital". Desta forma ele pegou as bagagens e seguiu os outros monges rumo à capital.
Quando o Imperador soube que os monges estavam prestes a chegar ordenou a um oficial que enterrasse uma cópia do Sutra do Diamante debaixo da porta de entrada do Palácio. Quando os monges chegaram, como nada sabiam sobre o Sutra, atravessaram a porta e entraram no Palácio um atrás do outro. Quando o monge pobre chegou ao portão, ajoelhou-se, juntou as palmas das mãos e a despeito da insistência dos guardas, recusou-se a entrar no Palácio. Quando o incidente foi relatado ao Imperador ele soube que o monge santo tinha chegado e foi recebê-lo pessoalmente, perguntando: "Por que você não entra no Palácio?" O monge respondeu: "Eu não ouso porque uma cópia do Sutra do Diamante foi enterrada no chão". O Imperador perguntou novamente: "Por que então você não entra se equilibrando nas mãos?" Depois de ouvir isto, o monge equilibrou-se sobre as duas mãos e atravessou o portão. O Imperador teve o maior respeito por ele e o convidou a permanecer no interior do Palácio.
Quando perguntado sobre a cerimônia, o monge respondeu: "A cerimônia será realizada amanhã de manhã, na quinta vigília, e precisarei apenas de um altar, de um estandarte guia para conduzir o espírito da morta à Torre Pura, de uma mesa com incenso, e de velas e frutas para oferecer aos Budas". O Imperador, que não ficou satisfeito com a perspectiva de uma cerimônia tão simples, estava apreensivo de que o monge não possuísse a virtude suficiente para realizá-la e para testar sua virtude ordenou que duas damas de honra lhe dessem um banho. Durante e após o banho seus órgãos genitais permaneceram imóveis e quando as damas de honra informaram ao Imperador sobre esse detalhe seu respeito pelo monge aumentou ainda mais ao perceber que o visitante era realmente santo. Os preparativos foram então realizados de acordo com as instruções dadas pelo monge que na manhã seguinte subiu ao púlpito para expor o Darma. Depois ele subiu ao altar, juntou as palmas das mãos e segurando o estandarte dirigiu-se ao caixão, dizendo:

“Na realidade eu não venho;
Mas nas suas preferências você é unilateral.
Ao realizar um pensamento não há nascimento
Significa que você pulará sobre os domínios dos deuses”.

Depois da cerimônia, o monge disse ao Imperador: "Parabéns pela libertação de sua majestade a Imperatriz Mãe". Como o Imperador duvidasse do efeito de uma cerimônia que acabasse de forma tão estranha, ele escutou a voz da defunta dizendo: "Eu estou agora libertada. Você deverá curvar-se para agradecer o Mestre Santo".
O Imperador espantou-se e seu rosto ficou radiante de felicidade. Ele curvou-se perante o monge em sinal de agradecimento. No interior do Palácio um banquete vegetariano foi oferecido para o monge. Vendo que o Imperador estava vestindo umas calças coloridas, o monge fixou seus olhos nelas. O Imperador perguntou-lhe: "Será que o virtuoso gostou destas calças?" e tirando-as do corpo ofereceu-as ao visitante que respondeu: "Obrigado Majestade pela sua graça". Nesse mesmo instante o Imperador conferiu ao monge o título de Mestre Estatal Calças de Dragão. Depois do banquete, o Imperador levou o monge ao Jardim Imperial onde havia um santuário. O monge ficou encantado com o santuário e parou para admirá-lo. O Imperador perguntou: "Será que o Mestre Estatal gostou deste santuário?" O visitante respondeu: "É maravilhoso!" O Imperador disse: "Desejo oferecê-lo a você com reverência". Enquanto o anfitrião dava ordens para remover o santuário para Chang Chou, o monge disse: "Não há necessidade, eu posso levá-lo comigo". Depois de dizer isto, o monge colocou o santuário na sua larga manga, elevou-se no ar e desapareceu. O Imperador atônito e exultante de júbilo ao mesmo tempo louvou a ocorrência sem precedente.
Queridos amigos, essa é uma estória em verdade maravilhosa e tudo aconteceu simplesmente porque, desde o momento em que deixou seu lar, o monge nunca usou sua mente discriminadora e sempre teve uma fé inabalável na verdade. Ele não ligou quando sua irmã veio visitá-lo, não se importou com suas roupas em farrapos e nem tocou nas roupas novas que permaneceram treze anos na gruta. Devemo-nos perguntar agora se somos capazes de desenvolver nosso treinamento dessa forma. Seria inútil falar de nossa incapacidade de seguir o exemplo do monge quando nossa irmã vem visitar-nos. É suficiente mencionar a atitude que nós temos depois de nossa meditação quando, enquanto andamos, não conseguimos evitar olhar para nosso líder quando acende um incenso ou para os movimentos de nosso vizinho. Se nosso treinamento é levado dessa forma, como poderia nosso hua-tou ser segurado com firmeza?
Queridos amigos, vocês tem apenas de remover a lama e reter á água. Quando á água está límpida a lua automaticamente aparece - a água é o símbolo da própria-natureza e a lua da iluminação. Agora chegou a hora de dar vida ao hua-tou e de examiná-lo bem de perto!

O Sexto Dia.
Os antigos diziam: "Os dias e os meses passam rápido como a lançadeira de um tear e o tempo voa como uma flecha". Nossa semana Ch'an apenas começou o outro dia e já estará chegando ao fim amanhã. De acordo com as regras estabelecidas, amanhã de manhã será realizada uma prova já que o propósito da semana Ch'an é estabelecer um limite de tempo para experimentar a verdade. Experimentar a verdade significa o despertar para a realização da verdade. Ou seja, a experimentação do si mesmo fundamental e a realização da natureza profunda do Tatâgata. Isso é chamado a experimentação e realização da verdade.
A prova tem por objetivo avaliar o grau de esclarecimento que vocês alcançaram durante estes sete dias e vocês terão que revelar esse esclarecimento à assembléia. Habitualmente essa prova é chamada  "a cobrança da conta dos bolinhos" de todos vocês. Isso significa que todos vocês devem aparecer para a prova. Em outras palavras, todos vocês devem estar acordados para a verdade de forma que possam expor o Darma de Buda para a libertação de todos os seres vivos. Hoje, eu não estou dizendo que espero que todos vocês tenham acordado para a verdade. Mas, se apenas um de vocês acordou para a verdade eu ainda posso "cobrar a conta dos bolinhos". Ou seja, apenas uma pessoa irá pagar a conta "das refeições servidas para todo o grupo". Se cada um de nós desenvolve uma mente esperta e progressiva na procura da verdade, todos acordaremos para ela.
Os antigos diziam:

“É fácil para um homem comum alcançar a Budeidade,
O difícil é dar fim ao processo do pensamento”.

É por causa dos nossos desejos insaciáveis desde tempos imemoriais que agora ficamos boiando no mar da mortalidade dentro do qual existem 84.000 apegos e todo tipo de maus hábitos dos quais não conseguimos livrar-nos. Como resultado, somos incapazes de alcançar a verdade e ser como Budas e Bodisatvas que estão permanentemente iluminados e estão livres da delusão. Por essa razão, o Mestre Lien Ch'ih, disse:

"É muito fácil ser capturado pelas causas da poluição,
Mas alcançar o Carma que produz a verdade é muito difícil.
Se vocês não conseguem ver além do que pode ser visto,
Diferenciadas estão as causas contribuintes.
Em torno de vocês não há mais do que objetos que como numa rajada de
Vento, destroem a colheita de méritos que vocês plantaram.
Os apegos da mente explodem em chamas
Destruindo as sementes do Bodi nos corações.
Se as reminiscências (smrti) da verdade forem tão intensas quanto as
Reminiscências do apego, a Budeidade será alcançada no ato.
Se vocês tratam aos outros como a vocês mesmos,
Tudo se resolverá a seu bel-prazer.
Se vocês não estão certos e os outros não estão errados,
Os senhores e seus criados respeitar-se-ão mutuamente.
Se o Darma de Buda está permanentemente na nossa frente,
Essa é a libertação de todos os apegos".

Quão esclarecedores e quão certas são estas palavras! A palavra poluição significa o ato de sujar. O ambiente dos homens comuns é corrompido com os desejos de riqueza, sensualidade, fama, lucro, ódio e disputa. Para eles, as palavras "religião" e "virtude" são simples obstáculos. Todos os dias, eles dão vazão ao prazer, a raiva, a pena e a felicidade, e almejam a riqueza, a honra, a glória e a prosperidade. Como não podem abrir mão dos apegos mundanos, eles são incapazes de dar lugar para o pensamento único da verdade. Em conseqüência, o bosque dos méritos é arruinado e as sementes do Bodi (Iluminação) destruídas. Se eles fossem indiferentes aos apegos mundanos; se eles dessem o mesmo tratamento aos amigos e aos inimigos; se eles evitassem matar, roubar, cometer adultério, mentir e se intoxicar com bebidas alcoólicas e drogas; se eles fossem imparciais em relação a todos os seres vivos; se eles considerassem a fome dos outros como se fosse a própria fome; se eles sentissem o afogamento dos outros como se eles mesmos estivessem afogando-se; e, se eles desenvolvessem a mente do Bodi, eles estariam de acordo com a verdade e estariam também em condições de alcançar o estado de Buda na mesma hora. Por isso, é dito: "Se as reminiscências da verdade forem tão intensas como as reminiscências do apego, o estado de Buda será alcançado no ato". Todos os Budas e os santos aparecem na Terra para servir aos seres vivos, resgatando-os do sofrimento, oferecendo-lhes a felicidade e ajudando-os a livrar-se da desgraça.
Nós podemos praticar a abnegação tanto como a compaixão pelos outros, antecipando todo tipo de alegria. Se pudermos conseguir isto ninguém precisará suportar o sofrimento e não haverá nada que não seja possível realizar. Conseqüentemente, seremos capazes de obter o fruto completo de nossa recompensa da mesma forma que um barco sobe naturalmente junto com a maré. Lidando com os outros, se vocês mantêm uma mente compassiva e respeitosa e não se mostram importantes, arrogantes e falsos, serão recebidos com respeito e cortesia. Por outro lado, se vocês só confiam nas suas habilidades e se mostram intransigentes ou atuam com duas caras procurando apenas o som, a forma, a fama e a riqueza, o respeito que os outros mostrarão para com vocês não será sincero.
O Sexto Patriarca (Hui Neng) disse:

"Mesmo que as faltas sejam dos outros e não nossas,
se discriminamos, nós também estamos errados".

Portanto, não devemos desenvolver uma mente que discrimina entre o certo e o errado e entre o eu e os outros. Se servirmos os outros da mesma forma que os Budas e os Bodisatvas o fizeram, seremos capazes de semear as sementes do Bodi por todos os lados e recolheremos os melhores frutos. Assim, os apegos nunca nos poderão manter em cativeiro.
As doze divisões do Tripitaka Mahayana – o Cânone Budista composto de três divisões: sutra (sermões), vinaya (regras de disciplina) e sastra (comentários dos sutras) - foram expostas pelo Honrado-Pelo-Mundo por causa dos três venenos:concupiscência, raiva e estupidez. Os objetivos dessas doze divisões do Tripitaka são: a disciplina (sila), a imperturbabilidade (samadi) e a sabedoria (prajnã). Seu propósito é tornar-nos capazes de apagar nossos desejos; alcançar os quatro infinitos estados da mente de Buda, [bondade (maitri), compaixão (karuna), júbilo (mudità) e indiferença (upeksã)] e os seis modos de salvação [os seis paramitas: caridade (dâna), disciplina (sila), paciência (ksãnti), progresso (virya), meditação (dyãna) e sabedoria (prajnã)]; eliminar a ignorância ilusória e a estupidez depravada; alcançar a virtude da sabedoria completa e embelezar o meritório Darmakaya – o corpo sutil na sua natureza essencial, inconcebível para os mortais comuns e que só os Budas podem ver. Se nós podemos seguir tal linha de conduta o tesouro do Lótus (a Terra Pura de todos os Budas na forma de Sambogakaya ou o Corpo da Retribuição) aparecerá por toda parte.
Hoje, a maioria dos que veio para esta semana Ch'an é formada por leigos virtuosos (upãsakas). Vocês devem controlar suas mentes de uma forma apropriada e livrar-se de todas as algemas. Agora, eu lhes contarei outro kung-an e assim vocês poderão seguir o exemplo dado por aqueles mencionados nele. Se eu não lhes conto este kung-an receio que vocês não irão adquirir a Gema e voltarão para seus lares de mãos vazias. Por favor, ousam com atenção!
Durante a Dinastia Tang, havia um upãsaka cujo nome era P'ang Yun, aliás Tao Hsuan, cuja cidade natal era Heng Yang na Provínvia de Hu Nan. Ele era originariamente um discípulo Confucionista e desde sua juventude percebeu a futilidade dos apegos e estava determinado na procura da verdade.
No começo do reino de Chen Yuan (785-804) ele ouviu falar dos ensinamentos de mestre Shih T'ou e visitou-o para pedir instruções. Quando ele viu o mestre, perguntou: "Quem é aquele que não confunde todos os Darmas com seus companheiros"? Em português claro, a pergunta significa: "Quem é aquele que não tem mais apego às coisas"? Shih T'ou estendeu sua mão para selar a boca de Pang Yun e o visitante imediatamente entendeu o gesto. No gesto de Shih T'ou, Pang Yun percebeu "aquilo" que estendeu a mão para selar sua boca e despertou instantaneamente para a própria-natureza que era invisível e se manifestou através da função.
Um dia, Shih T'ou perguntou a P'ang Yun: "Desde que você viu pela primeira vez este velho (isto é, eu) o que você tem feito a cada dia? " P'ang Yun respondeu: "Se você me pergunta o que eu estive fazendo, eu não sei como abrir a boca". Mais tarde, ele apresentou o seguinte poema para Shih T'ou:

"Não há nada de especial em relação ao que faço cada dia;
Eu apenas me mantenho em harmonia com isto,
Em qualquer lugar, não aceito nem rejeito nada.
Nem aqui confirmo ou nego nada.
Por que as pessoas dizem que o vermelho difere da púrpura?
Não há nem uma partícula de pó na montanha azul.
Os poderes sobrenaturais e trabalhos miraculosos
Consistem em buscar água e juntar lenha.".

Shih T'ou aprovou o poema e perguntou a P'ang Yun: Você seguirá a Sanga (Ordem) ou permanecerá um upãsaka (leigo)? "P'ang Yun respondeu: "Farei o que eu quiser", e não raspou a cabeça.
Mais tarde, P'ang Yun visitou o Mestre Ma Tsu e perguntou-lhe: "Quem é aquele que não confunde todos os Darmas com seus companheiros? " Ma Tsu respondeu: "Eu responderei sua pergunta depois de você beber toda a água do Rio Oeste". Depois de ouvir isto, P'ang Yun despertou instantaneamente para a doutrina profunda. Ele permaneceu dois anos no mosteiro de Ma Tsu.
Desde a completa realização de sua natureza original, o Upãsaka abriu mão de suas ocupações mundanas, jogou no Rio Hsiang toda sua fortuna composta de 10.000 moedas de ouro e prata e passou a fazer artigos de bambu para sobreviver.
Um dia, enquanto conversava com sua esposa sobre a doutrina do "não-nascido", o Upãsaka disse: "Difícil! Difícil! Difícil! É como desempacotar e arrumar dez cargas de sementes de gergelim no topo de uma árvore". Sua esposa respondeu: "Fácil! Fácil! Fácil! Uma centena de folhas de grama é o sinal do mestre". Ouvindo este diálogo, sua filha Ling Chao disse, gargalhando: "Oh vocês, dupla de velhos! Como podem falar desse jeito". O Upãsaka perguntou a sua filha: "Então, o que você diria? A filha respondeu: "Não é difícil nem fácil. Quando tenho fome como e quando tenho sono durmo".
P'ang Yun bateu palmas, riu, e disse: "Meu filho não arrumará uma esposa; minha filha não arrumará um marido. Nós permaneceremos juntos falando a linguagem do “não-nascido” - este parágrafo não existe no texto original chinês e foi adicionado pelo Mestre Hsu Yun na palestra. A partir dali seus poderes dialéticos tornaram-se evidentes e foi admirado por toda parte.
Quando o Upãsaka deixou o Mestre Yo Shan, este último enviou dez monges Ch'an para acompanhá-lo até a porta da frente do mosteiro. Apontando o dedo para a neve caindo, o Upãsaka disse aos monges: "Boa neve! Os flocos não caem em outro lugar". Um monge Ch'an, chamado Ch'uan, perguntou: "Onde eles caem?" O Upãsaka deu um tapa no rosto do monge e Ch'uan, disse: "Você não pode agir tão inconseqüentemente". O Upãsaka respondeu: "Que tipo de monge é você! O deus do morto não deixará você passar". Ch'uan perguntou: "Então, o que o Venerável Mestre quer dizer? " O Upãsaka deu um novo tapa no monge e disse: "Você enxerga tanto quanto um cego e fala tanto quanto um mudo".
O Upãsaka costumava freqüentar lugares onde os Sutras eram lidos e comentados. Um dia ele escutava a leitura do Sutra do Diamante e quando o comentarista chegou à frase da não-existência do ego e da personalidade, ele perguntou: "Venerável Senhor, uma vez que não há nem eu nem os outros, quem está agora lendo e quem esta ouvindo? " Como o comentarista fosse incapaz de responder à pergunta o Upãsaka disse: "Apesar de ser um leigo, eu compreendo alguma coisa". Aí, o comentarista perguntou: "Qual é então a interpretação do Venerável Upãsaka?” O Upãsaka respondeu com o seguinte poema:

"Não há ego nem personalidade,
Quem está distante então e quem está perto?
Siga meu conselho e abandone os comentários
Já que eles não se comparam com a procura direta da verdade.
A natureza da Sabedoria do Diamante
Não contém nenhuma poeira intrusa.
As palavras 'Eu escuto', 'Eu acredito' e 'Eu recebo'
Não significam nada e são usadas apenas como um expediente".

Depois de ouvir o poema, o comentarista ficou encantado com a interpretação correta e elogiou o Upãsaka.
Um dia, o Upãsaka perguntou a Ling Chao: "Como você entende o ditado antigo: "É tão claro quanto um cento de folhas de grama; é tão claro que elas são o sinal do Patriarca". Ling Ch'ao respondeu: "O que há com você velho homem? Como você pode falar desse jeito?” O Upãsaka perguntou a ela: "Como você o diria? " Ling Chão respondeu: "É tão claro quanto um cento de folhas de grama; é tão claro que elas são o sinal do Patriarca". O Upãsaka riu satisfeito. Quando soube que ia morrer ele disse a Ling Chao: “Vá lá fora e vê se é cedo ou tarde; diz-me se for meio-dia.” Ling Chão foi lá fora e voltou dizendo: "O sol está no meio do céu, mas infelizmente está sendo engolido por um cachorro do céu - isto é, um eclipse. Pai, por que o senhor não vai lá fora e vê por si mesmo?" Pensando que a história era verdadeira ele foi lá fora conferir. Imediatamente, Ling Chão, aproveitando-se de sua ausência, sentou-se na cadeira do pai com as pernas cruzadas, juntou as palmas das mãos e fez a passagem.
Quando o Upãsaka voltou, ele percebeu que Ling Chão tinha morrido e dando um suspiro comentou: "Minha filha foi mais esperta e partiu antes do que eu". Assim, ele adiou sua morte uma semana para enterrar a filha.
Quando o magistrado Yu Ti perguntou sobre sua saúde o Upãsaka respondeu:

"Promete apenas apagar tudo o que é;
Cuida de tornar real o que não é.
A vida neste mundo mortal
é uma sombra, um eco".

Depois de declamar esse poema, ele apoiou a cabeça nos joelhos do magistrado e fez a passagem. Como era seu desejo, seu corpo foi cremado e suas cinzas espalhadas pelo lago.
Sua esposa soube da morte do marido e foi informar seu filho. Depois de ouvir a notícia o filho parou de fazer o seu trabalho na lavoura, apoiou o queixo no cabo da enxada e fez a passagem em pé. Depois de testemunhar esses três eventos sucessivos, a mãe retirou-se para um lugar desconhecido para viver reclusa.
Como vocês podem perceber, toda a família de quatro pessoas tinham poderes sobrenaturais e podiam realizar milagres e mesmo sendo leigos e upãsakas como vocês, tinham um grau de realização superior. Na atualidade, é impossível encontrar homens de tão notável habilidade não somente entre vocês, upãsakas e upãsikãs, mas também entre monges e monjas que não são melhores do que eu mesmo, Hsu Yun. Que desgraça!
Agora, vamos nos esforçar no nosso treinamento!

O Sétimo Dia.
Queridos amigos, permitam-me cumprimentá-los pelos méritos que vocês acumularam durante a semana Ch'an que hoje chega ao fim. De acordo com as regras estabelecidas aqueles que tenham experimentado e realizado a verdade devem vir para frente do pátio como o faziam os candidatos que realizavam a prova no Palácio Imperial. Hoje, sendo o dia de divulgação da lista dos graduados com sucesso, será um dia de congratulações.
Todos os mestres que estão aqui presentes e são veteranos neste treinamento sabem que esta é uma magnífica oportunidade para a cooperação e não vão jogar fora seu precioso tempo. Mas, aqueles que são principiantes devem saber que é muito difícil conseguir um corpo humano e que a questão do nascimento e da morte é muito importante. Como nós temos corpos humanos, devemos saber que é difícil ter a oportunidade de escutar o Darma de Buda e encontrar mestres estudados. Hoje vocês vieram à "montanha preciosa" -o Sutra da Contemplação, diz: "Como um homem sem mãos que não pode adquirir nada apesar de ter chegado à 'montanha preciosa', aquele que é desprovido da 'mão' da fé não conseguirá adquirir nada mesmo que encontre a Gema Tríplice" -e devem tirar partido desta excelente oportunidade fazendo todos os esforços possíveis no seu autocultivo para não voltar para casa de mãos vazias.
Como eu tenho dito, o Darma de nossa Seita, que foi transmitido pelo Honrado-Pelo-Mundo quando levantou a flor e a mostrou para a assembléia, foi passado geração após geração. Embora Ãnanda fosse primo de Buda e deixasse seu lar para seguí-lo como ajudante, ele não conseguiu alcançar a verdade na presença do Honrado-Pelo-Mundo. Depois que Buda entrou no Nirvana, seus melhores discípulos reuniram-se numa gruta para compilar os sutras (sermões), mas Ãnanda foi impedido de participar da reunião. Mahakasyapa disse a ele: "Você não adquiriu o Selo da Mente do Honrado-Pelo-Mundo, assim deixa o espanador na porta da frente". A partir daí, Ãnanda tornou-se totalmente iluminado. Então, Mahakasyapa transmitiu a ele o Selo da Mente do Tatagãta, tornando-o o Segundo Patriarca da Índia. A transmissão foi passada para as gerações seguintes, e depois dos Patriarcas Asvaghosa e Nagarjuna, o mestre Ch'an Hui Wen da montanha T'ien T'ai durante a Dinastia Pei Ch'i (550-578), após a leitura do Madyamika Sastra de Nagarjuna, conseguiu realizar sua própria mente, fundando a Seita T'ien T'ai. Nessa época, nossa Seita Ch'an estava no auge do florescimento. Mais tarde, quando a Seita T'ien T'ai caiu em decadência, o mestre imperial Teh Shao - um mestre Ch'an - viajou para Koréa, onde ainda existia a única cópia dos trabalhos de Chih I, e depois de fazer uma nova cópia retornou para reviver a Seita. Bodidarma, que foi o Vigésimo Oitavo Patriarca da Índia, tornou-se o Primeiro Patriarca da China. Desde seu advento até a época do Quinto Patriarca, a lâmpada da Mente brilhou com esplendor. O Sexto Patriarca teve quarenta e três sucessores entre os quais estavam os mestres Ch'an Hsing Szu e Huai Jang. Depois veio o mestre Ch'an Ma Tsu que teve oitenta e três sucessores. Nessa época o Darma Correto alcançou seu apogeu e era reverenciado por imperadores e altos oficiais. Embora o Tatâgata expusesse vários Darmas, o da Seita Ch'an foi insuperável.
No que se refere ao Darma que consiste em repetir o nome de Amitaba Buda, ele foi exaltado pelos Patriarcas Ch'an Asvaghosa e Nagarjuna e, depois do mestre Hui Yuan, o mestre Ch'an Yen Shou, do mosteiro Yung Ming, tornou-se o Sexto Patriarca da Seita da Terra Pura. (Chin T'u Tsung), a qual foi divulgada por muitos outros eminentes mestres Ch'an. Depois de ser propagada pelo mestre Ch'an I Hsing, a seita Esotérica (Chen Yen Tsung) espalhou-se pelo Japão mas desapareceu na China onde não apareceu ninguém que sucedesse o mestre. A Seita Darmalaksana (Fa Hsiang Tsung) foi introduzida pelo mestre do Darma Hsuan Tsang, mas não durou muito tempo.
Apenas nossa Seita Ch'an é como uma correnteza que está ainda fluindo desde sua origem remota trazendo devas nas dobras e subjugando dragões e tigres. Lu Tung Pin, aliás Shun Yang, um nativo de Ching Ch'uan, foi um dos famosos Oito Imortais. Os Imortais praticam o Taoísmo e sentam-se em meditação com as pernas cruzadas. Seu propósito é alcançar a imortalidade colocando um fim a todos os apegos, mas eles ainda se apegam à idéia da realidade do ego e das coisas. Eles moram em grutas ou no topo das montanhas e podem tornar-se invisíveis. Já no final da Dinastia Tang ele tentou três vezes a prova para entrar no serviço público e falhou todas as vezes. Desiludido, ele não voltou para casa e um dia encontrou por acaso, numa loja de vinhos em Ch'ang An, um imortal chamado Chung Li Ch'uan que lhe ensinou o método de alongar seu tempo de vida indefinidamente. Lu Tung Pin praticou o método com grande sucesso, e também podia tornar-se invisível e voar a vontade por todo o Império. Um dia, ele foi visitar o mosteiro Hai Hui na montanha Lu Shan e escreveu o seguinte na parede da torre do campanário:


"Depois de um dia de descanso, quando o corpo está relaxado,
Os seis órgãos agora em harmonia, anunciam que tudo está em ordem;
Com uma gema na região púbica não há necessidade de procurar a
Verdade,
Quando não se toma conhecimento do que nos rodeia não há necessidade do Ch’an”.

Mais tarde, quando ele estava atravessando a montanha Huang Lung, observou no céu umas nuvens de cor púrpura com a forma de um guarda-chuva e imaginando que deveria haver alguém muito importante entrou no mosteiro. Nesse mesmo instante, depois de bater o tambor, o mestre Ch'an Huang Lung subiu ao púlpito para expor o Darma. Lu Tung Pin seguiu os monges e entrou no pátio para ouvir a dissertação.
Huang Lung disse à assembléia: "Hoje há entre nós um plagiador do meu Darma; o velho monge (ie. eu) não o exporá". A continuação, Lu Tung Pin veio para frente do pátio cumprimentou o mestre e disse: “Gostaria de perguntar ao Venerável Mestre o significado das seguintes linhas”:

"Um grão de milho contém o Universo;
As montanhas e os rios cabem numa pequena tigela".

Huang Lung repreendeu-o, dizendo: "Você é um corpo guardião do diabo". Lu Tung Pin, retrucou: "Mas na minha cuia guardo a medicina da imortalidade". Huang Lung respondeu: "Mesmo que você consiga viver 80.000 eras, você não escapará de cair no vazio morto".
Esquecendo o significado de sua própria frase: "Quando não se toma conhecimento do que nos rodeia não há necessidade do Ch'an", Lu Tung Pin ardeu de raiva e lançou sua espada em direção a Huang Lung. O mestre apontou o dedo para a espada que caiu no chão longe do seu dono. Com profundo remorso, Lu Tung Pin ajoelhou-se e perguntou sobre o Darma de Buda. Huang Lung, disse: "Deixa de lado a frase: ‘As montanhas e os rios cabem numa pequena tigela’, sobre a qual eu nada perguntarei. Agora; qual é o significado de: ‘Um grão de milho contém o Universo?’” Depois de ouvir essa pergunta, Lu Tung Pin realizou instantaneamente o sentido profundo do Ch'an, cantando o seguinte poema:

"Jogo fora minha cuia e esmago meu alaúde;
No futuro não procurarei ouro no mercúrio.
Agora que encontrei o Mestre Huang Lung,
Percebi o uso errado da minha mente"

Nos tempos antigos, os Taoístas da China afirmavam que eram capazes de extrair ouro derretendo mercúrio; isto é, eles conheciam o método de tornarem-se imortais ou Rsis em Sânscrito, cuja existência foi mencionada por Buda no Surangama Sutra. A meditação Taoísta tinha como propósito a produção de uma corrente de energia quente que se espalhava por todas as partes do corpo e os praticantes mas bem sucedidos podiam enviar seus espíritos para lugares muito distantes. Eles costumavam vagar por lugares remotos munidos de uma cuia, uma guitarra e uma espada "mágica" que os protegia dos "demônios".
A história de Lu Tung Pin mostra o retorno de um Imortal para a Gema Tríplice e sua entrada no mosteiro (Sangãrãma) como guardião do Darma. Lu Tung Pin foi também responsável pelo renascimento da Seita Taoísta naquela época e tornou-se o Quinto Patriarca do Tao no Norte. O Taoísta Yang também realizou a mente depois de ler a coleção budista "Tzu Ying Chi", tornando-se o Quinto Patriarca do Tao no Sul. Tzu Yang foi um Taoísta eminente muito instruído no Darma Ch'an e seus comentários atestaram sua realização da mente. O Imperador Yung Cheng considerava-o um Ch'an Budista e publicou seus comentários na "Seleção Imperial de Ditados Ch'an". Desta forma, a fé no Tao foi reascendida graças à Seita Ch'an.
Os ensinamentos de Confúcio foram transmitidos até Mencius quando chegaram ao fim. Durante a Dinastia Sung os adeptos Confucionistas também estudaram o Darma de Buda, dentre os quais podemos citar Chou Lien Chí, que praticava o treinamento Ch'an e conseguiu realizar a mente, e outros, como Ch'eng Tzu e Chu Tzu, todos eminentes Confucionistas. Assim, a Seita Ch'an também contribuiu para o renascimento do Confucionismo.
Nos dias de hoje, há muita gente que despreza o Darma Ch'an e que inclusive faz comentários depreciativos em relação a ele, merecendo o inferno. Hoje nós temos esta magnífica oportunidade de sermos contemplados com uma causa cooperativa que nos une aqui e agora. Devemos sentir júbilo e fazer votos para tornar-nos objeto de reverência dos dragões e dos deuses e de perpetuação do Drma Correto para sempre. Isto não é um jogo de crianças; por isso, por favor, façam o máximo esforço para obter mais progressos no autocultivo!

O Dia do Encerramento
Queridos amigos, eu parabenizo todos vocês na conclusão desta semana Ch'an. Vocês completaram seu meritório treinamento e em mais alguns momentos a colheita chegará ao fim.
De acordo com os antigos, a abertura e o encerramento de uma semana Ch'an não significa muita coisa, pois é muito mais importante ocupar a mente continuamente com o hua-t'ou até alcançar a completa iluminação. Agora, não importa se vocês despertaram ou não; nós devemos seguir o procedimento estabelecido nas regras e regulamentos. Durante esta semana vocês não distinguiram entre o dia e a noite porque seu único propósito era seu próprio despertar. O fim último deste encontro foi o de preparar homens capazes de espalhar a doutrina Budista. Se vocês perderam seu tempo sem alcançar nenhum resultado vocês terão perdido em verdade uma grande oportunidade.
Agora, o Venerável Abade e os líderes do grupo seguirão as antigas regras e regulamentos e irão examinar o resultado de nosso treinamento. Espero que vocês não falem muito quando forem questionados; vocês devem, na presença dos outros, resumir numa frase o resultado de sua realização e se suas respostas estiverem corretas, o Venerável Abade irá a confirmar sua realização. Os antigos diziam:

"O autocultivo demora um tempo incalculável
Enquanto que a iluminação é alcançada num instante".

Se o treinamento é eficiente, a iluminação é alcançada num piscar de olhos.
Em épocas passadas, o mestre Ch'an Hui Chueh, da montanha Lang Yeh, tinha uma discípula que o visitava para receber instrução. O mestre orientou-a a prestar atenção à frase: "Não toma conhecimento” - literalmente, "Não liga"- e ela seguiu as instruções ao pé da letra, sem relaxar um instante.
Um dia sua casa pegou fogo, mas ela disse para si mesma: "Não liga". Outro dia, seu filho caiu na água e quando uma pessoa que estava perto chamou sua atenção, ela disse para si mesma: "Não liga". Ela seguiu estritamente as instruções de seu mestre deixando de lado todos os pensamentos causais - isto é; pensamentos produzidos pelas causas que levam aos efeitos.
Um dia, depois que seu marido acendeu o fogo para fritar umas rosquinhas, ela jogou dentro da panela cheia de óleo fervendo a massa das rosquinhas que fizeram um grande barulho. Após ouvir esse barulho ela iluminou-se instantaneamente. Então, ela jogou a panela com óleo fervendo no chão e batendo palmas começou a gargalhar sem parar. Pensando que ela tinha perdido o juízo, seu marido repreendeu-a e disse: "Porque você está fazendo isso? Você está louca?" Ela respondeu "Não liga". A seguir ela foi visitar o mestre Hui Chueh e pediu-lhe para confirmar a sua realização. O mestre confirmou que ela tinha alcançado o fruto sagrado.
Queridos amigos, aqueles que acordaram para a verdade, por favor venham para frente e digam alguma coisa sobre sua realização.
(Depois de um longo período de tempo, como ninguém se manifestasse, o Mestre Hsu Yun deixou o pátio. O Venerável Mestre do Dharma Ying Tz'u continuou realizando a prova e quando chegou ao fim o Mestre Hsu Yun retornou ao pátio para instruir a assembléia).
Mestre Hsu Yun disse: Neste mundo tumultuado e especialmente nesta movimentada e confusa cidade; como pode haver tempo para estar neste recinto e sentar-se em meditação ocupando a mente com um hua-tou? Entretanto, as profundas boas raízes do povo de Xangai em combinação com o florescente Darma de Buda e a insuperável causa cooperativa fizeram possível esta grande oportunidade para nossa colheita.
Desde os tempos antigos até a presente data, nós tivemos a Seita do Ensinamento Doutrinário, a Seita da Disciplina, a Seita da Terra Pura, e a Seita Esotérica. Uma rigorosa comparação entre essas escolas prova, claramente, que a Seita Ch'an é superior a todas elas . Eu já me referi a esta Seita insuperável, mas devido ao atual declínio do Darma de Buda, não há homens de capacidade. No passado, nas minhas longas viagens a pé, visitei e permaneci em vários mosteiros, mas o que vejo agora não pode ser comparado com o que via-se naqueles tempos. Eu estou realmente envergonhado de minha ignorância, mas o Venerável Abade, que é muito compassivo e o grupo de líderes, que é muito cortês, me empurrou para presidir este encontro. Esta tarefa deveria ter sido incumbida ao Venerável Mestre do Darma Ying Tz'u que é uma reconhecida autoridade tanto no Ch'an como nas escrituras e tem a experiência de um veterano. Eu agora sou um homem inútil e não posso fazer nada e  espero que todos vocês sigam seu exemplo e vão enfrente sem relaxar.
O Ancestral Kuei Shan disse: "É uma pena que tenhamos nascido no final do período da aparência, tão longe do período santo, quando o Darma de Buda é desprezado e quando as pessoas prestam tão pouca atenção a ele". Eu estou, entretanto, expressando a minha humilde opinião para que as gerações vindouras compreendam.
O nome de família do Mestre Kuei Shan era Ling Yu e era nativa da Província de Fu Chien. Ele seguiu o Ancestral Pai Chang e realizou a própria mente no seu mosteiro. O asceta Tzu Ma viu que a montanha Kuei Shan na Província de Honan era muito auspiciosa e que se tornaria o lugar de encontro de uma assembléia de mais de mil e quinhentos monges instruídos. Nessa época, Kuei Shan era sacristão do mosteiro de Pai Chang quando, numa visita ao mosteiro, Szu Ma encontrou-se com ele, reconheceu-o como o verdadeiro dono da montanha, convidando-o para estabelecer um mosteiro lá. Kuei Shang era um homem da Dinastia Tang (618-906) e o Darma de Buda estava no fim do período da aparência. Por essa razão ele lamentava-se por não ter nascido antes, já que na sua época o Darma de Buda era difícil de se entender, e os homens comuns, cujas mentes estavam retrocedendo, se negavam a estudar a doutrina, com o resultado de que não havia nenhuma esperança de alcançar o fruto de Buda. Mais de mil anos passaram desde a época de Kuei Shan e não somente acabou o período da aparência, como já passaram em torno de 900 anos do atual período da decadência - os três períodos do Budismo são: 1) o período da doutrina santa, correta ou real de Buda, com duração de 500 anos; 2) o período da imagem ou da aparência, com duração de 1.000 anos; e 3) o período do decaimento ou término do Darma, durando entre 3.000 e 10.000 anos, após o qual Maitreya Buda aparecerá para restaurar todas as coisas. Conseqüentemente, os homens comuns de boas raízes agora são poucos. Por isso, muitos são os homens que acreditam no Darma e poucos os homens que realmente realizam a verdade.
Eu agora comparo meu próprio caso com aqueles que estão estudando o Darma de Buda e que têm todo tipo de facilidades. Nos reinos de Hsien Feng (1851-61) e Tung Chih (1862-74), todos os mosteiros da região ao Sul dos Três Rios foram destruidos, permanecendo intacto apenas o mosteiro T'ien T'ung. Durante a rebelião de Tai Ping (1850-64), alguns monges das montanhas Chung Nan vieram ao Sul para reconstruir os mosteiros destruídos e nessa oportunidade foram equipados com apenas uma cuia e um cesto, não possuindo nenhum dos equipamentos que vocês dispõem aqui hoje em dia. Mais tarde, o Darma de Buda gradualmente floresceu novamente e os monges começaram a carregar suas bagagens nas costas. Hoje em dia eles carregam até pastas de couro, mas não prestam muita atenção à prática correta da doutrina. Antigamente, quando os monges Ch'an desejavam visitar vários mosteiros para receber instrução eles tinham que enfrentar a jornada a pé. Hoje, eles viajam de trem, carro, barco e até avião, aliviando as dificuldades, mas intensificando a indulgência e o relaxamento. Nos dias de hoje, a despeito do crescente número de instituições Budistas e de mestres do Darma, ninguém presta atenção na questão fundamental e desde o amanhecer até o anoitecer todos procuram apenas os conhecimentos e a interpretação dos textos sem o menor cuidado com o autocultivo e a realização. Ao mesmo tempo, eles não sabem que o autocultivo e a realização são o essencial da doutrina.
O mestre Ch'an Yung Chia, disse na sua Canção da Iluminação:

"Alcance a raiz. Não se importe com os galhos.
Seja como o cristal puro em volta da preciosa lua.
Alas! nesta época de descaimento e neste mundo de maldade,
O período santo já passou há muito tempo e as visões pervertidas são
Profundas.
Com o Demônio forte e o Darma fraco, o ódio e o mal prevalecem.
Depois de ouvir tudo sobre a instantânea porta do Darma,
Lamenta-se por não ter esmagado esses males.
Enquanto a mente atua, o corpo ainda oculta.
Nunca culpe e nunca acuse seu semelhante.
Se você quer evitar o Carma incessante
Não avilte a Lei de Buda.
Na minha juventude acumulei muitos conhecimentos.
Procurei sutras, sastras e seus comentários,
Infindável discriminação entre nome e forma.
Enquanto contava em vão os grãos de areia do oceano,
Fui severamente repreendido pelo Buda,
Que perguntou qual era a vantagem de contar as gemas dos outros".

Yung Chia visitou o Sexto Patriarca procurando instrução e ficou iluminado completamente. O Patriarca chamou-o de "O Iluminado Numa Noite". Por essa razão, os antigos diziam: "A procura da verdade nos sutras e sastras é como entrar no oceano e contar seus grãos de areia".
O artifício da Seita Ch'an é comparado com a espada preciosa do Rei Vajra - a gema do diamante real, ou espada indestrutível que destrói a ignorância e a delusão - que corta todas as coisas que tocam nela e destrói tudo o que resvala na sua ponta afiada. É a mais elevada porta do Darma através da qual é possível alcançar a Budeidade na hora. Para mostra-lhes um exemplo, lhes contarei a história do mestre Ch'an Shen Tsan que quando era jovem viajava a pé e se iluminou depois de sua estadia com Pai Chang. Depois de sua iluminação ele retornou ao seu antigo mestre, que lhe perguntou: "Depois que você foi embora, que nova aquisição você fez em outros lugares?" Shen Tsan respondeu: "Eu não fiz nenhuma aquisição". Então ele foi ordenado para servir seu antigo mestre.
Um dia, enquanto esfregava as costas sujas de seu mestre, Shen Tsan, dando alguns tapinhas nas suas costas, disse: "Um bom pátio de Buda, mas o Buda não é santo". Seu mestre não entendeu o que ele quis dizer, virou sua cabeça e olhou para o discípulo, que repetiu: "Embora o Buda não seja santo ele envia raios iluminadores".
Um outro dia, seu mestre estava lendo um sutra debaixo da janela enquanto que uma abelha debatia-se contra a janela tentando sair do quarto. Shen Tsan, percebendo o esforço da abelha para sair do quarto, disse: “O Universo é tão vasto e você não quer sair. Se você insiste em atravessar o velho papel” - isto é, os velhos sutras – “você só sairá no ano do jumento” - não existe o ano do jumento no calendário chinês. Depois de falar essa frase, ele cantou o seguinte poema:

"Recusa-se a sair através da porta vazia
E bate na janela estupidamente.
Atravessar o velho papel levará cem anos,
Oh, quando conseguirá sair?"

Pensando que Shen Tsan estava insultando-o, o velho mestre deixou o sutra de lado e perguntou-lhe: "Você foi embora por tanto tempo; quem você encontrou, o que você aprendeu, e que faz você tão falador agora?" Shen Tsan respondeu: "Depois que deixei você juntei-me à comunidade de Pai Chang onde obtive uma indicação de como deter o pensamento e a discriminação. Como você esta velho agora, eu retornei para pagar a dívida de gratidão que tenho com você". A partir dessa conversa, o velho mestre informou à assembléia sobre o incidente, ordenou um banquete vegetariano e convidou Shen Tsan a expor o Darma. Ele subiu no púlpito e expôs a doutrina de Pai Chang, dizendo:

"Uma luz espiritual brilha em solidão
Desligando os órgãos dos sentidos dos objetos dos sentidos.
A experiência da verdade eterna
Não depende apenas dos livros.
A natureza da mente sendo imaculada
É fundamentalmente perfeita.
Libertação das causas que produzem a falsidade
É a mesma coisa que o absoluto estado de Buda".

Depois de ouvir isto, seu mestre despertou para a verdade e disse: "Eu nunca podia imaginar que na minha velhice ir-ia ouvir sobre o modelo supremo". Então, ele passou a direção do mosteiro para Shen Tsan e respeitosamente pediu para tornar-se seu discípulo.
Vocês percebem como tudo isto é simples e fácil? E nós sentamos-nos neste encontro Ch'an por uma semana e ainda não experimentamos a verdade. Isto acontece porque não estamos seriamente determinados no nosso treinamento, ou o consideramos um jogo de crianças, ou pensamos que requer sentar-se em silêncio num pátio Ch'an. Nada disso é correto e homens e mulheres que realmente concentram suas mentes neste treinamento não discriminam entre o mutável e o imutável, ou qualquer tipo de atividade diária. Eles podem fazê-lo na rua, num ruidoso mercado, ou em qualquer outro lugar.
Antigamente havia um monge que visitava os mestres instruídos para receber instrução. Um dia ele chegou a um mercado e passou por um açougue onde cada cliente insistia em levar "carne pura" - isto é, carne de primeira. De repente, o açougueiro perdeu a paciência e abaixando o facão, perguntou: "Que pedaço de carne não é pura?” Depois de ouvir isto, o monge iluminou-se instantaneamente. O monge “açougueiro” foi assim apelidado porque alcançou a iluminação após escutar a voz do açougueiro. Ele estava impondo-se um intenso treinamento quando passou pela porta do açougue e sua mente estava realmente imóvel e livre de qualquer tipo de pensamento ou discernimento. A voz alta do açougueiro causou um grande impacto na mente do monge, que ouviu não com o sentido da audição mas com a função da própria-natureza. Quando a função da própria-natureza manifestou-se por si mesma, a substância ou essência da própria-natureza tornou-se aparente, e daí a iluminação.
Isto mostra que os antigos não precisavam sentar-se em meditação num pátio Ch'an quando eles submetiam-se ao treinamento. Hoje, nenhum de vocês falou sobre o despertar. Não é isso uma perda de tempo?

As Palavras Finais do Venerável Mestre Hsu Yun
Depois que o chá e os biscoitos foram servidos, todos os presentes ficaram de pé quando o Venerável Mestre Hsu Yun, vestindo o robe formal - de mangas largas - entrou novamente no pátio e sentou- se em frente ao Buda de Jade. Com uma tira de bambu desenhou um círculo no ar e disse:

"Convocação e meditação!
Abertura e fechamento!
Quando tudo isto chegará ao fim?
Quando as causas produtoras se detêm de repente,
Os objetos exteriores desaparecem.
Mahaprajnaparamita!”

O círculo simboliza a perfeição do Darmakaya. As três linhas seguintes mostram as ilusórias atividades mundanas que não tem nada a ver com a experiência da realidade. Quando todas as causas produtoras dos efeitos chegam ao fim, o mundo fenomênico também desaparece e esse é o momento quando "sua grande sabedoria chega à outra margem" ou Mahaprajnaparamita.

"Quando a mente está imóvel a essência e a função retornam à
normalidade
Fundamentalmente não há dia ou noite, mas apenas uma luminosidade
Completa.
Onde estão as linhas divisórias entre o Norte e o Sul e entre o Leste e o
Oeste?
Sem obstáculos as coisas são vistas como resultado das causas
Condicionantes
Enquanto os pássaros cantam e as flores sorriem a lua alcança a
Correnteza”

Quando a mente está despida de sentimentos e apegos permanece imóvel; este é o momento em que a essência e a função da própria-natureza de Buda retornam à normalidade. Fundamentalmente só existe a imutável sabedoria luminosa que não se modifica. Quando a própria-natureza está condicionada pela delusão, separa-se em ego e Darma ou sujeito e objeto e daí todos os tipos de discriminações, tais como Norte-Sul e Leste-Oeste. Os fenômenos são criados por causas condicionantes mas estão desprovidos de natureza real. A delusão é causada pelo nosso apego às coisas ouvidas, vistas, cheiradas, degustadas, tocadas, pensadas e discriminadas, mas se a mente se desliga da audição, da visão, do olfato, do gosto, do tato, do pensamento e da discriminação, será alcançada a “Completa Iluminação de Avalokitesvara Bodisatva”. Apenas os sentidos da audição e da visão são aqui mencionados porque eles estão em constante atividade enquanto que os outros quatro sentidos estão freqüentemente adormecidos. Quando se é capaz de desligar a audição da canção dos pássaros e a visão das flores sorridentes, a lua, símbolo da iluminação, brilhará sobre a correnteza, uma vez que a água é o símbolo da própria-natureza. Esta frase significa que pode alcançar-se a iluminação no meio do som e da visão que simbolizam o mundo ilusório.
Agora o que que eu vou dizer para fechar o encontro ?

"Quando a tábua é batida a tigela aparece!
Vamos examinar o Prajnãpãramitã!"

Agora vamos dar o encontro por encerrado.
No mosteiro, a tábua é batida para chamar ao refeitório. Se a mente está eficientemente despida de todos os sentimentos e apegos, as oito consciências ou vijnanas estarão congeladas e inativas. Este momento é chamado, na linguagem Ch'an, como "uma morte temporária seguida da ressurreição". - isto é, a morte da delusão e a ressurreição da própria-natureza. Quando a própria-natureza recupera sua liberdade, funcionará e escutará o som da tábua ao ser batida. Como o fenomênico e o numinoso estão agora unidos num só, o Darmakaya permeia por toda parte, inclusive a tigela que revela sua presença. Por isso, os antigos diziam: "os exuberantes bambus verdes são o Darmakaya e as luxuriantes flores amarelas não são senão a Prajnã”
Esta realização só é possível através do Prajnãpãramitã que todos os que procuram a verdade deveriam colocar em prática.

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