quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

* OS QUARENTA POEMAS (GATHAS) DA TRANSMISÃO CH'AN

Tradução para o português de Wu-ming (1947-    )

Introdução Ch’an pelo Upãsaka Lu K’uan Yu
(1898-1978)


Nos refugiamos no Buda,
Nos refugiamos no Darma,
Nos refugiamos na Sanga,
Nos refugiamos na gema Tríplice dentro de nós mesmos.



Temos o prazer de apresentar os Quarenta Poemas (Gathas) da Transmissão Ch'an.
Como o Buda disse no Sermão do Diamante (Vajracchedikã-prajnã-pãramitã Sutra), Ele não ensinava nenhum Darma especifico, já que sua doutrina consistia apenas em apagar todos os pensamentos que agitavam a mente, que assim podia permanecer na quietude, de forma que a sabedoria, inerente a cada ser humano, pudesse se manifestar por si mesma e perceber a própria natureza com o objetivo de alcançar a Budeidade. Entretanto, como os homens tinham capacidades diferentes para assimilar a verdade, Ele foi obrigado a ensinar a doutrina Hinayana (do Pequeno Veículo) àqueles que eram capazes de entender apenas a verdade incompleta, e a doutrina Mahayana (do Grande Veículo) àqueles que estavam prontos para o ensinamento final. Isto é o que chamamos de o método apropriado da escola de ensinamento através dos sutras e das palestras. No entanto, era impossível revelar a realidade absoluta através de palavras e discursos, pois, apesar de Ele ter revelado Sua Mente nos Sermões, Seus discípulos não o entenderam. Finalmente, O-Honrado-Pelo-Mundo (um dos muitos nomes do Buda) levantou uma flor e a mostrou aos Seus discípulos para testar sua habilidade em compreender o objetivo ultimo de Seu ensinamento. Apenas Mahakasyapa entendeu a mensagem e a confirmou com um amplo sorriso. Imediatamente, o Buda disse –lhe: “Eu tenho o tesouro do olho do Darma correto, a maravilhosa Mente de Nirvana e a realidade imaterial que agora transmito para você”. Este foi o começo da linhagem Ch’an com seus vinte e sete Patriarcas Indianos e os seis Patriarcas Chineses, e se acrescentamos os Sete Budas da Antiguidade que os precederam o numero total de Budas e Patriarcas conhecidos sobe para quarenta, e daí nossa apresentação dos Quarenta Poemas da Transmissão do Darma.

A Escola do Ensinamento Doutrinário
O que é conhecido com o nome de Escola do Ensinamento Doutrinário, são as instruções dadas pelo Buda através dos Sermões (Sutras) com o propósito de iluminar os Seus discípulos. Como foi mencionado anteriormente, é muito difícil revelar a verdade absoluta a pessoas de capacidades diferentes, e assim, O-Honrado-pelo-Mundo foi obrigado a ensinar um método simples para principiantes, instando-os a se livrar do envolvimento com todo o que viam ao seu redor; enquanto que Ele reservava o ensinamento avançado para aqueles que tinham realizado a não- existência do mundo fenomênico. Por essa razão, Seu ensinamento foi dividido em Hinayana ou “meia palavra”, isto é, verdade incompleta, e Mahayana ou “palavra inteira”, que é a verdade completa. Por exemplo, quando uma pessoa se apegava a seu ego ou alma (isto é, atman em sânscrito) e ao gozo dos prazeres mundanos, o Buda revelava a não-existência do ego ou anãtman para apagar seu conceito de ego. Infelizmente, os adeptos do Hinayana usavam a palavra anãtman nos seus argumentos para silenciar aqueles que se apegavam ao conceito de atman, ego ou alma e discussões intermináveis tem acontecido desde a introdução do termo anãtman no Ocidente. Se nós analisarmos cuidadosamente ambos os termos, chegaremos à conclusão que “atman” significa o ego (alma) existente e “anãtman” significa o ego (alma) não-existente; em outras palavras, os dois extremos de um dos pares de opostos que não tem natureza própria independente.
Por essa razão, no Seu ensinamento Mahayana, o Buda ensinou aos Seus discípulos a abandonar seu apego não apenas à “existência”, mas também à “não-existência; ou seja, tanto à “atman” quanto à “anãtman” de forma a não ficar dependente de nenhum deles. Ele disse no Sutra do Diamante: “Se ate o Darma deve ser posto de lado, quanto mais o Não-Darma!” Assim, nos chegamos ao seguinte:

1) A pessoa comum se apega a ãtman, ou ego, ou alma;
2) O adepto do Hinayana se apega a anãtman, ou não-exitência do ego (da alma);
3) o adepto do Mahayana não se apega nem a atman nem a anãtman.

Depois do Nirvana do Buda, Seus discípulos se espalharam para divulgar o Darma. Como não havia nenhum Darma especifico para ensinar, e como a doutrina consistia em apenas despir cada pessoa deludida de seus sentimentos e paixões , eles tinham que usar todo o que estivesse ao alcance de suas mãos, inclusive velhos costumes, rituais, e crenças praticados em outros lugares para iluminar aqueles que ali viviam. Na Índia, costumes Bramánicos, ritos, símbolos, palavras, etc, foram emprestados para converter as pessoas ao Budismo. No Lamaismo Tibetano, encontramos traços da primitiva Bön, uma religião pré-Budista do Tibet. Na China, onde o Taoísmo e o Confucionismo eram as duas religiões predominantes, muitos termos Taoístas e Confucionistas foram emprestados para explicar o Darma aos chineses. Conseqüentemente, é equivocado identificar o Budismo com qualquer outra religião estrangeira. A imagem do Buda Tibetano abraçado pela Mãe Divina, que pode parecer chocante par a maioria dos leigos, simboliza a integração do par de opostos , o masculino ou positivo e o feminino ou negativo, os dois aspectos de todas as antinomias do Samsãra (o mundo fenomênico representado pelo nascimento e morte), para a realização do todo indivisível no plano da realidade absoluta. Entretanto, esta representação da síntese de todos os dualismos, embora fundamentalmente genuína, não agradou aos refinados eruditos chineses que interpretavam o absoluto a sua própria maneira, com será descrito, mais adiante, na apresentação dos textos Ch’an.

A Terminologia Budista
O vocabulário Budista é extenso e todos os termos cunhados, tanto pelo Buda quanto pelos Seus discípulos, correspondem perfeitamente aos vários estágios do despertar espiritual. É uma verdadeira pena que apenas uns poucos desses termos tenham sido traduzidos para os idiomas ocidentais e novos sinônimos deveriam ser cunhados para enfrentar a ampla variedade de expressões Budistas, se o objetivo for a tradução do Tripitaka por estudiosos ocidentais. A propensão de alguns tradutores modernos para “ocidentalizar” os termos Budistas não deveria ser encorajada, já que esta tarefa só pode ser realizada por aqueles que realmente entendem o Sânscrito e o Chinês.
Mesmo levando em consideração a extensão da terminologia Budista, é impossível descrever com palavras a realidade inconcebível e inexprimível, e para revelar o absoluto aos seus discípulos os mestres Ch’an inventaram o que o upãsaka (um discípulo leigo do sexo masculino, que se propõe a observar as cinco principais regras de moralidade) P’ang Yun chamava de “a linguagem do incriado”.Não há nenhum dicionário chinês que explique esses termos Ch’an cunhados pelos antigos e apenas aqueles estudantes que tenham realizado um grande progresso no treinamento Ch’an podem compreender o significado de cada termo. Todavia, esses termos Ch’an ainda não conseguem expressar a realidade verdadeira, pois no instante em que são expressados na nossa linguagem condicionada , eles passam a ter um significado “inferior”, como dizem os mestres. Por isso, Yun Men dizia a seus discípulos:”Os antigos virtuosos, que passaram suas vidas iluminando os outros, eram instados a usar as palavras e as frases corretas para poder mostra-lhes apenas o caminho. Se você sabe que a coisa real foi propositadamente deixada de lado, com um mínimo de esforço você poderá descobri-lo. Com certeza isto está diretamente relacionado com seu próprio Eu”. Quando Kuei Shan instou Tung Shan a visitar Yun Yen , ele disse-lhe: “Se você pode descobrir a direção do vento pela inclinação da grama, você apreciará seu ensinamento.” Pai Chang disse:”Se os Sutras fossem interpretados literalmente de acordo com o significado da palavra escrita, uma grande injustiça seria cometida com todos os Budas do passado do presente e do futuro. E no entanto, aquele que se desvia dos Sutras apenas uma virgula, fala a linguagem do demônio”.
Embora haja uma ampla gama de expressões, elas eram usadas pelos Budas e pelos mestres no momento certo para iluminar pessoas de diferentes capacidades. Como as pessoas estavam propensas a se apegar aos nomes e aos termos no lugar de olhar dentro de seu verdadeiro significado, o Buda era obrigado a usar diferentes expressões para apagar seus apegos, a despeito de que as novas expressões tinham o mesmo significado daquelas previamente usadas, sendo Seu objetivo livrar as pessoas das palavras vazias para que elas pudessem perceber alem delas. Conseqüentemente, os termos encontrados em todos os Sutras e Sastras, tais como natureza, realidade, Corpo de Buda, Mente de Buda, Darma, Darma Único, Darma Fundamental, Mente, Mente Primordial, Campo da Mente, própria mente, própria natureza, natureza da mente, verdadeira natureza, verdade essencial, etc, têm o mesmo significado e devem ser interpretados como o absoluto inexprimível e inconcebível. O Mahãparinirvãna Sutra diz: “Você deveria abandonar o ensinamento da meia palavra e interpretar corretamente o ensinamento da palavra inteira”. “Meia palavra” significa o ensinamento incompleto e temporário, ou imperfeito Hinayana, e “palavra inteira” significa o ensinamento completo e definitivo, ou o perfeito Mahayana. No ensinamento temporário, as palavras usadas têm um significado relativo; enquanto que no ensinamento definitivo todas as palavras têm um significado absoluto. Por exemplo, no Hinayana a palavra “eu” ou ego -chamado de alma no Ocidente- tem um significado relativo, pois se opõe a “os outros”, ambos os termos sendo apenas um dos infinitos exemplos vazios de dualismo; enquanto que no Mahayana a palavra “Eu” é usada no sentido absoluto. As quatro realidades transcendentais expostas pelo Buda no Mahãparinirvãna Sutra pouco antes de fazer a passagem, Eternidade,Felicidade,Eu e Pureza, têm um significado absoluto.
Quando os Sutras são interpretados corretamente, grandes confusões e discussões desnecessárias e intermináveis são evitadas e todo o ensinamento do Buda, desde o inicio ate o fim, ficará claro para o leitor que será capaz de pegar o fio da meada e tomará consciência da dificuldade que O -Honrado- Pelo- Mundo encontrou para converter pessoas deludidas, de Sua extraordinária paciência para lidar com discípulos obstinados, de Sua relutância de revelar primeiro a verdade relativa e depois a verdade absoluta, e de Sua compaixão sem limites para com todos os seres vivos que Ele prometeu libertar do oceano de sofrimento. Se o tempo desperdiçado na atual divisão arbitrária do insuperável ensinamento em varias escolas hostis contradizendo uma à outra fosse utilizado para o estudo profundo do cânone Budista com o propósito de isolar o fio que une todas as partes, o Darma de Buda, que hoje parece estar em declínio, seria revivido e floresceria para beneficio de toda a humanidade. Felizmente, o Darma Ch’an proporciona um meio admirável para resolver todas as dificuldades que afetam as outras escolas, já que lida exclusivamente com a experiência pessoal da verdade, cujo desenvolvimento encontra-se de perfeito acordo com todos os estágios de realização descritos pelos ensinamentos do Buda no Tripitaka.

O Darma Ch’an
Antes de entrar neste assunto, é necessário saber que Ch’an é a mente e que o Darma Ch’an é o Darma da Mente, ou doutrina da mente. Consiste apenas na realização da própria mente, e quando a mente é conhecida, a própria natureza será percebida e a iluminação será alcançada. A primeira questão é , portanto, a realização da mente. Que nossa mente é permanentemente perturbada pelo nosso pensamento é algo que todo mundo sabe, por isso, para mantê-la na quietude é necessário dar um basta no fluxo dos pensamentos. Este é o passo mais difícil, pois desde tempos imemoriais nós adquirimos o mal habito do pensamento descontrolado que não pode ser detido de repente. Nós “vivemos” porque pensamos e se paramos de pensar iremos a escapar desta vida no Samsãra. Assim, os pensamentos criam todas as ilusões que produzem a vida, e como a vida leva à morte, nós apenas flutuamos à deriva neste oceano de nascimento e morte sem nenhuma perspectiva em vista. Antes de começar a falar em iluminação, para sair desta armadilha, a primeira coisa a fazer é deter todos os pensamentos de modo que a mente volte a sua condição original de quietude. Algumas pessoas demoram apenas uma ou duas semanas para conseguir deter o pensamento enquanto outras levam vários anos.
Na Antiguidade, quando os antigos levantavam ao amanhecer para trabalhar e deitavam ao anoitecer, a vida era muito simples e não tinha as complexidades de hoje em dia. Suas necessidades eram satisfeitas com facilidade e como tinham poucos desejos, suas mentes estavam na quietude. Por essa razão, apenas umas poucas palavras pronunciadas por um mestre iluminado eram suficientes para acordar o discípulo. Quando o Segundo Patriarca pediu a Bodidarma que aquietasse sua mente que estava agitada, o primeiro Patriarca disse: “Me mostre sua mente e eu a acalmarei”. O discípulo chinês respondeu: “Eu não consigo encontrar minha mente”. O mestre indiano declarou: “Então eu acalmei sua mente” Nesse instante, o Segundo Patriarca percebeu a inexistência da mente e se iluminou instantaneamente. Tudo isso aconteceu em apenas dois minutos e parece muito bom para ser verdade.

Os Pré-Requisitos do Treinamento Ch’an
Todos os dispositivos usados na prática do Budismo, tais como adoração da imagem do Buda, prostração, circumbalação, musicas, cânticos, repetição do nome de Amitaba Buda, recitação de Sutras, signos manuais (mudras), repetição de mantras, , controle da respiração, visualização, meditação, kung-an, hua-tou, etc., têm apenas um objetivo: deter todos os pensamentos para a realização da mente. Cada escola tem seu próprio método para deter a mente errante. No que diz respeito a Seita Ch’an, o mestre Hsu Yun disse: “A realização da mente com o objetivo de perceber sua própria natureza e alcançar a Budeidade, não tem nada a ver com meditar ou não meditar. O método Ch’an consiste em colocar um fim a todos os pensamentos de forma que a mente possa se acalmar e a própria natureza possa ser percebida”. Entretanto, na pratica Ch’an a meditação é considerada a forma ortodoxa de controle do corpo e da mente. Normalmente, no começo da prática é muito difícil deter o fluxo de pensamentos, já que, assim que se consegue apagar um pensamento, um novo pensamento aparece para ocupar o seu lugar e quanto mais se tenta detê-los, mais se é atacado por eles por todos os lados. O praticante deve ter, entretanto, uma grande paciência para lidar com eles. No momento em que ele começar a encontrar as primeiras dificuldades em lidar com os pensamentos crescentes, ele terá uma clara indicação de que seus esforços para controlá-los estão surtindo efeito, já que, sem sua prática, ele continuaria dando curso a eles sem ter a menor consciência disso. Sua obstinada determinação de controlar os pensamentos irá, em breve, render seus frutos, a despeito das dificuldades que ele possa encontrar no começo, que serão de curta duração e irão sucumbir diante de sua forte determinação de ganhar a batalha.
Muitos livros foram escritos sobre meditação e os praticantes mais ocupados que não dispõem de tempo livre para se dedicar a longas meditações , deveriam encontrar um meio de controlar os pensamentos pelo menos uma ou duas vezes ao dia, enquanto andam, ficam de pé, estão sentados ou reclinados. Alem do método ortodoxo de sentar-se com as pernas cruzadas em meditação, o melhor momento é aquele que precede ao ato de dormir quando se está na cama. Sem se preocupar com a posição correta do corpo, a pessoa pode fechar os olhos para ver realmente o aparecimento do pensamento e pegá-lo com a atenção de um gato prestes a pegar o rato. Assim que ele é percebido, deve-se investigar de onde aparece e para onde vai, e mesmo antes de realizar que não tem nem cabeça nem rabo, ele se desvanece como uma ilusão ou uma borbulha. Depois de “caçar” dois ou três pensamentos desta forma, eles se tornam tão raros que a mente fica automaticamente calma e a pessoa cai no sono profundo. A repetição desta prática varias noites seguidas irá garantir a rápida detenção do fluxo de pensamentos, seguido de um sono profundo livre de sonhos , um bom sinal de que a mente encontra-se no estado de quietude. Este método de pinçar os pensamentos emergentes foi ensinado pelo mestre Han Shan, no século XVI, e nós recomendamos veementemente os leitores a praticá-lo enquanto permanecem deitados na cama antes de dormir. Requer apenas de quinze a vinte minutos cada noite e pode ser praticado todas as noites sem o menor problema. Assim, passo a passo, a pessoa será capaz de pôr um fim ao permanente fluxo de pensamentos aonde quer que ela esteja. Este é também o método mais seguro para curar a insônia e para desfrutar de um verdadeiro descanso após longas horas de trabalho. Obviamente deve se abrir mão de tudo o que pode excitar os órgãos dos sentidos , tal como comidas pesadas, bebidas alcoólicas, literatura pornográfica, maus hábitos, divertimentos questionáveis, etc., para garantir um bom estado da mente.

Disciplina e Moralidade
Uma mente disciplinada é de uma importância fundamental para o sucesso do autocultivo, já que se se permite que a mente vague pelo mundo à procura de estímulos exteriores, nunca poderá ser colocada sob controle. A leitura e a correta interpretação dos Sutras, especialmente do Sutra do Diamante, do Sutra do Altar (do Sexto Patriarca) e dos textos Ch’an, permitirá que o praticante sério renuncie aos apegos que ele guarda como tesouros, já que quando ele perceber a natureza ilusória e impermanente do mundo fenomênico, ele irá voltar sua atenção para a realidade verdadeira que ele poderá levar consigo ate o final de sua transmigração. Para conseguir realizar o Si-Mesmo a disciplina deverá ser estrita, já que o menor desvio poderá significar a diferença entre o sofrimento e a bem-aventurança, entre a delusão e a iluminação e entre a impermanência e a eternidade.
É muito lamentável que alguns comentaristas modernos, que não compreendem a disciplina Ch’an, tenham elaborado a absurda teoria de que os sutras, os sastras, a disciplina e a moralidade podem ser dispensados na procura da verdade. Nada é tão errado e prejudicial do que essa desculpa baseada na premissa de que o absoluto não admite dualismos, e já que a disciplina e a indisciplina, e a moralidade e a imoralidade são os extremos de dois pares de opostos, não há lugar para eles. Mas, será que nós estamos tão iluminados que não há mais necessidade de treinamento espiritual? Se esse não for o caso, nós ainda precisamos apagar nossas delusões antes de poder falar do absoluto e essa desculpa, alem de não fazer o menor sentido, pode confundir os principiantes. Yung Chia disse na sua “Canção da Iluminação:” Se você quer evitar o produto do inferno chamado carma não difame a Roda da Lei do Tatagãta “.
É verdade que quando um discípulo começa seu treinamento Ch’an, seu mestre geralmente proíbe a leitura dos Sutras de forma que sua atenção não fique dividida e assim poder atingir a unidade da mente para a percepção da própria natureza e alcançar a iluminação. Todavia, assim que se ilumina, o discípulo imediatamente lê o Tripitaka (o Cânone Budista composto do Vinaya ou Regras de Disciplina e Moralidade; os Sutras ou Sermões do Buda; e Sastras ou Comentários sobre os Sutras), antes de começar seu trabalho como Bodisatva divulgando o Darma. Podemos facilmente imaginar o embaraço de um mestre que não sabe nada sobre o ensinamento dos Sutras dado pelo Buda e que pretende ensiná-los aos outros. Também é verdade que Hui Neng era analfabeto, mas ele não deixava de interpretar corretamente nenhuma passagem dos Sutras citada pelos seus discípulos. Mas, quantos mestres analfabetos existem na linhagem Ch’an? Podemos ter a pretensão de ter alcançado o grau de realização do Sexto Patriarca e agora acharmos que podemos jogar fora todos os Sutras e Sãstras? Ate Hui Neng obrigava seus discípulos a recitar o Sutra do Diamante.
Com relação à moralidade, está baseada na compaixão universal, e sem a pratica da moralidade , nós nunca teremos a chance de ouvir o Darma correto exposto pelo Buda. O Sutra do Diamante diz: “Subuti, não fala assim. No período de 500 anos após a ultima passagem do Tatâgata, haverá aqueles que observem ‘as regras de moralidade’ e realizem boas ações o que resultará em benções. Essas pessoas serão capazes de desenvolver uma fé incondicional em estas frases que eles considerarão como sendo o corpo da verdade. Você deveria saber que eles não terão plantado boas raízes em apenas uma, dois, três, quatro ou cinco Terras do Buda. Após ouvir estas frases aparecerá em suas mentes um único pensamento de pura fé. Subuti, o Tatâgata sabe e vê tudo; estes seres vivos irão assim adquirir imensuráveis méritos. Por que? Porque eles terão apagado as falsas noções de um ego (uma alma), uma personalidade (uma pessoa), um ser (um ser sensciente), e uma vida (um tempo), de Darma e de Não-Darma” Como uma boa causa leva a um bom efeito, e como uma causa ruim leva a um efeito ruim, aquele que vira as costas para a moralidade estará riscado a ser imoral, mesmo que ele não saiba disso, e são numerosos os casos de praticantes que regrediram no seu autocultivo e estão listados detalhadamente no Surangama Sutra. Por esta razão, Lin Ch’i aconselhava seus discípulos a interpretar o Darma corretamente e a não se deixar enganar pelos outros. O praticante do Ch’an deve saber no começo do seu treinamento se ele realmente possui compaixão na sua própria natureza. Esta é a questão crucial que um estudante sério do Ch’an deveria perguntar a si mesmo, uma vez que sem compaixão, sua pratica será em vão. Nós sabemos que de acordo com o Buda e os mestres iluminados, cada ser humano possui dentro dele a própria natureza que é perfeita e sobre cujas características, quatro são chamadas as quatro incomensuráveis: bondade, compaixão, alegria e renuncia. Assim, antes de considerar se o ensinamento está correto, nós devemos descobrir essa compaixão inerente em nós, e não há nada melhor do que uma cuidadosa investigação sobre ela na nossa meditação, já que o quer que seja falado nos sutras sobre ela, é apenas o significado das palavras escritas e nunca foi experimentada por nós pessoalmente. Será suficiente apenas uma meditação para descobrir essa compaixão e nós deveríamos nos concentrar nela ate a exclusão de todos os outros pensamentos e tentar averiguar se existe de fato pelo menos uma gota dela dentro de nós. Devemos apagar todos os sentimentos humanos e nos concentrar em aqueles que menos gostamos, em primeiro lugar. Devemos perguntar a nós mesmos porque essas pessoas se comprazem em prejudicar os outros e iremos concluir que como nós também somos egoístas, não temos o direito de culpar pessoas que como nós também estão deludidas, sendo a única diferença que nossa ignorância tal vez seja menor do que a delas. Se a elas fossem dados um bom ambiente e uma chance de ouvir o Darma , elas certamente mudariam seus hábitos e tal vez iriam se tornar melhores do que nós mesmos. Finalmente iremos descobrir que nós somos a única parte que merece toda a culpa por nosso egoísmo, visto que elas são apenas pessoas ilusórias de quem nós desgostamos antes e que só existem por causa de nossa ignorância. Assim, no lugar de ficar procurando as faltas nos outros , sentiremos pena de nós mesmos e derramaremos lágrimas por não entender o ensinamento do Buda. Hui Neng disse: “Ilustrados amigos, sua própria natureza é grande porque contem todas as coisas. Como todas as coisas estão contidas dentro dela, se todas as pessoas boas e todas as pessoas ruins não são nem gostadas nem desgostadas, inclusive sem ser contaminada por eles, a mente, que é como o espaço, é chamada a grande mente”. Esta é a mente universal que,se viramos as costas para a disciplina e a moralidade, nunca alcançaremos.

As Técnicas Ch’an
Somente depois que a mente for colocada sob controle é que pode iniciar-se o treinamento Ch’an. A purificação da mente é a causa do despertar da potencialidade adormecida que existe em cada um de nós - a qual não pode ser alcançada pelos ensinamentos doutrinários devido às limitações da palavra - e que quando desenvolvida plenamente é capaz de apreender a verdade absoluta. Por essa razão, os adeptos da Seita Ch’an são capazes de alcançar a iluminação em apenas uma existência enquanto que os seguidores das diversas escolas do ensinamento doutrinário demoram várias transmigrações para alcançar os mesmos resultados.


Os 40 Poemas da Transmissão:
Apontando Direto para a Mente

Nos tempos antigos os homens viviam de uma forma simples e não eram tão apegados como o são hoje em dia. Consequentemente, suas mentes permaneciam na quietude e umas poucas palavras eram suficientes para acordar a potencialidade interior capaz de apreender a realidade.
Os quarenta Poemas (Gathas) nos dão uma idéia de como o Darma era ensinado, apreendido e transmitido. Os mestres antigos usavam pouquíssimos termos técnicos para provocar o despertar dos seus discípulos. Eles apenas apontavam direto para a mente dos discípulos e os estudantes, tendo uma fé ilimitada nos ensinamentos, imediatamente apreendiam o fim último sem dar lugar a pensamentos ou discriminações.
Portanto, não era difícil para o instrutor apagar o apego do seu aluno, não somente em relação ao mundo dos fenômenos em torno dele como também em relação às manifestações mais sutis do ego e das coisas (darma) que permanecem ocultas e não são facilmente detectáveis. Mesmo os termos mais  preciosos, como o Buda, o Darma e a Sanga, podiam ser facilmente erradicados de forma que o estudante percebesse seu todo indivisível que não poderia ser novamente dividido em sujeito e objeto - a causa da separação que cria todas as delusões e complicações do Samsara.
Quando dizemos que adoramos o Buda, praticamos o Darma e reverenciamos a Sanga já estamos errados porque inadvertidamente dividimos nossa própria-natureza perfeita no sujeito que adora, pratica e reverencia e no objeto adorado, praticado e reverenciado, sem perceber que nós já somos, pois é inerente a nós, a própria-natureza do Buda, do Darma e da Sanga ou a Gema Tríplice do Eu.
A palavra darma tem dois significados: (1) Darma: verdade, lei ou doutrina; e, (2) darma: todas as coisas, qualquer coisa grande ou pequena, visível ou invisível, real ou irreal, concreta ou abstrata. Se nós realizarmos a mesmice do numinoso e do fenomênico, isto é, a unidade de tudo, esse Darma nada mais é do que uma parte integral de nossa própria-natureza perfeita.
Por outro lado, se nós o vislumbramos como algo que existe independentemente de nossa própria-natureza será o darma ou uma das infinitas coisas, isto é, uma matéria separada de nós e ali estaremos dividindo nosso Eu em sujeito e objeto novamente. Por essa razão, Sakyamuni Buda disse em seu poema da transmissão do Darma para Mahakashyapa:

“O Darma fundamental do Darma não tem nenhum Darma;
E o Darma do Não-Darma também é Darma.
Agora que o Darma do Não-Darma é transmitido;
Quando foi que houve um Darma?”

Assim, todos os traços do Darma são apagados para revelar o absoluto que não é Darma nem Não-Darma, pois está além de todos os dualismos.
Cada poema (gatha) da transmissão foi recitado quando o Darma da Mente foi transmitido para o seu respectivo sucessor, pelos Sete Budas da Antiguidade, os Vinte e Sete Patriarcas da Índia e os Seis Patriarcas da China da linhagem Ch’an. O Darma por eles ensinado era muito simples porque apontava direto para a mente do discípulo que não tinha nenhuma dificuldade em realizá-lo.

A Técnica do Kung-an das Cinco Seitas Ch’an
Após o Sexto Patriarca da China, que teve quarenta e três sucessores do Darma, a Seita Ch’an se dividiu em duas correntes principais lideradas por Huai Jang da montanha Nan Yo e Hsing Szu da montanha Ch’ing Yuan, respectivamente.
O sucessor de Huai Jang foi o grande Ma Tsu que transmitiu o Darma para Pai Chang, cujos discípulos principais foram Kuei Shan e Huang Po. Kuei Shan e seu discípulo Yang Shan fundaram a seita Kuei Yang (Ikyo Zen) e Huang Po foi sucedido por Lin Chi, o fundador da seita Lin Chi (Rinzai Zen).
Hsing Szu transmitiu o Darma para Shih T’ou, cujos sucessores, Yo Shan e Tao Wu, o transmitiram para Yun Yen e Lung T’an, respectivamente. Yun Yen foi sucedido por Tung Shan que, junto com o discípulo Ts’ao Shan, fundou a seita Tung Ts’ao (Soto Zen). Lung T’an transmitiu o Darma para Teh Shan que foi sucedido por Hsueh Feng. Este último, o transmitiu para Yun Men que fundou a seita Yun Men (Ummon Zen) e para Hsuan Sha. Este último, o transmitiu para Lo Han, cujo sucessor Wen I fundou a seita Fa Yen (Hogen Zen).
Após o Sexto Patriarca, quando as palavras simples e os poemas se tornaram menos apropriados para revelar a mente, a técnica do kung-an foi inventada para substituí-los. Kung-an significa, literalmente: documento oficial; dossiê; leis e regulamentos criados para manter a lei e a ordem, que nenhum cidadão pode transgredir. Assim, o silêncio, as frases, os gritos, as gargalhadas, os gestos, as pancadas, os beliscões, as chibatadas, etc – as causas contribuintes usadas para apontar direto para a mente - são chamados kung-an.
Essa técnica, desenvolvida por Ma Tsu, é hoje conhecida como o método ta chi e ta yung, ou grande potencialidade e grande função, respectivamente. Por grande potencialidade entende-se o despertar da potencialidade adormecida inerente a cada ser humano que tem em vista desenvolvê-la completamente e por grande função entende-se o uso apropriado dos kung-an na primeira oportunidade favorável, permitindo a união da potencialidade totalmente desenvolvida com a verdade. Ademais, esta técnica também inclui o que é conhecido como chao e yung, que significam, respectivamente, a provação da potencialidade desenvolvida pelo estudante e o uso da função iluminadora, que provoca o despertar do estudante.
Embora as Cinco Seitas tivessem o mesmo objetivo, isto é, a realização da mente para a percepção da própria-natureza e a obtenção da iluminação, cada seita desenvolveu sua própria técnica de ensinamento: a Kuei Yang dando ênfase ao corpo e à função; a Lin Chi com os gritos, a sabedoria luminosa, a função salvadora e os Três Portais Profundos, cada um com três Estágios ou Estados Vitais; a Ts’ao Tung com as Cinco Posições do Príncipe e do Ministro; a Yun Men com seus bolos, suas respostas de uma palavra, seus Três Portais e suas palavras aparentemente ofensivas para apagar as discriminações de seus seguidores; e, a seita Fa Yen com sua doutrina de que “os Três Mundos não são senão a mente e que todas as coisas são a consciência”.
É interessante saber como a potencialidade adormecida, inerente a cada ser humano, pode ser despertada e estimulada ao máximo através da união com o absoluto. Isto é alcançado depois que todos os pensamentos, bons ou maus, foram detidos de forma a realizar a unidade da mente. Quando a mente é reduzida à impotência a sua função cessa e seu estado é comparado nos textos Ch’an a um pedaço de madeira apodrecida, a um crânio inconsciente, a um cavalo de madeira, a uma moça de pedra e a um incensário num templo deserto. Como a mente é apenas um aspecto ilusório da própria-natureza em dependência, esse aspecto está agora minguando e a ponto de desaparecer completamente para retornar a sua essência brilhante. Nesse momento qualquer um dos kung-an ou qualquer ocorrência insignificante, tal como a visão da própria imagem refletida na água ou o som de uma vara de bambu partindo, será percebida, não pela mente em extinção, mas pela própria-natureza que agora volta a funcionar normalmente. Essa é a causa da iluminação súbita.
Talvez o mais famoso kung-an seja “wu”, que não tem nada de especial ou extraordinário já que funciona exatamente como qualquer outro kung-an. Um monge perguntou a Chao Chou: O cão possui a natureza de Buda? E o mestre iluminado respondeu: “wu”, que significa, entre outras coisas, não, em português. Depois de ouvir esse wu, qualquer monge Ch’an perguntar-se-ia: “O Buda disse que os animais possuem a natureza de Buda; por que então o mestre Chao Chou, respondeu que o cão não a possuía?” Essa pergunta permanecerá enquanto o monge não encontrar uma resposta satisfatória e dia e noite ele perguntar-se-á sobre isso sem interrupção, esquecendo-se completamente de todos os outros atos da vida. Concentrando-se unicamente nesse wu, sem nunca se separar dele, ele finalmente alcançará a unidade da mente, que assim despida de todas suas atividades será reduzida à impotência e desaparecerá, mais cedo ou mais tarde, deixando seu lugar para a própria-natureza que será capaz de reassumir sua função normal. Quando a própria-natureza entra em contato com qualquer fator externo cumprirá a função de percebê-lo e reassumirá sua condição essencial que nós chamamos de iluminação. Após Chao-Chou, o termo “wu” também passou a significar “iluminação”.

A Técnica do Hua-tou
Com o passar do tempo a mente humana foi-se envolvendo cada vez mais com as novas ilusões criadas pelo avanço material da civilização e sua condição foi ficando cada vez mais difícil, tornando-se incapaz de provocar o despertar espiritual. Desta forma, os mestres antigos foram obrigados a inventar a técnica hua-tou que pode levar aos mesmos resultados alcançados pelos kung-an.
Hua-tou significa “a cabeça de uma palavra”, considerando que aqui “palavra” significa o pensamento que agita a mente. Assim, hua-tou é a mente antes de ser agitada por um pensamento ou a mente na sua condição de quietude. Esta técnica consiste no fechamento dos seis órgãos dos sentidos de forma a impedir o contato com os estímulos exteriores através da ocupação da mente com a própria mente ou “virando a luz para o interior a fim de iluminar o Eu”, como disse o mestre. Essa própria concentração está errada mas é usada como um artifício para deter o fluxo permanente dos pensamentos. Com o passar do tempo, essa concentração irá, como os kung-an, congelar a mente e isolá-la de todos os estímulos exteriores alcançando a unidade. O praticante permanece absorto no hua-tou formando assim um bloco homogêneo que nenhum estímulo exterior pode penetrar. Ele ficará livre de todos os desejos mundanos e não mais sentirá o calor do verão nem o frio do inverno. Alguns praticantes poderão inclusive abrir mão do hábito de dormir a noite e “suas costelas não mais tocarão os colchões de suas camas” como relatam os textos Ch’an. Eles caminharão no meio da multidão no mercado sem notar a presença de uma única pessoa, farão suas refeições sem a sensação de ter engolido um único grão de arroz e vestirão seus robes sem sentirem o forro de suas roupas (No Centro de Treinamento Ch’an recomenda-se o uso do hua-tou: Pára!!!).
Como foi dito anteriormente, a morte da mente leva a ressurreição da própria-natureza que será capaz de funcionar sem nenhum outro obstáculo. Quando a própria-natureza entra em contato com o som ou com a forma, desempenhará sua função não-discriminadora de escutar ou olhar. Esse resultado final é idêntico ao obtido com o kung-an.
.
O Ato do Despertar
O ato do despertar é chamado wu em chinês e satori em japonês. De acordo com os mestres antigos há dezoito wu maiores e incontáveis wu menores antes da iluminação completa. Isto não significa que levará necessariamente um longo período de tempo alcançar todos os wu maiores e menores, pois isto depende de vários fatores, dentre os quais, o estímulo ou o embotamento da potencialidade desenvolvida e a atenção ou displicência do praticante no seu treinamento. Neste último caso, a iluminação final pode ser alcançada num piscar de olhos como aconteceu com Hui Neng depois de ouvir uma frase citada do Sutra do Diamante pelo Quinto Patriarca da China.
Não devemos confundir o despertar com o estado experimentado ao “entrar na correnteza” onde o praticante que alcançou apenas o desligamento dos estímulos exteriores simplesmente sente que seu corpo está leve como o ar e que ele e tudo o que o circunda é uma imóvel massa brilhante. Ele terá que avançar um passo à frente para alcançar o estágio de ‘”ressurreição para o real”, a terceira das Cinco Posições da seita Ts’ao Tung (Soto Zen).


OS QUARENTA POEMAS (GATHAS)DA TRANSMISSÃO
(Extraído da Transmissão da Lâmpada - Ching Te Ch’uan Teng Lu)


Os Sete Budas da Antiguidade

I
Vipashim, o 998º Buda da Era Gloriosa:
O corpo nasce do nada;
Um sonho, produto de uma ilusão.
Como a mente ilusória e o pensamento não existem,
Quão desprovidos de natureza são o bem e o mal!

II
Shikhin, o 999º Buda de Era Gloriosa:
Bons Darmas e maus carmas aparecem,
Porém ambos são ilusórios.
O corpo é como a espuma e a mente é como o vento;
A ilusão não tem base nem realidade.

III
Vishvabhu, o 1000º Buda da Era Gloriosa:
Quando a mente incriada está confinada no corpo
Interage com os objetos e só existe por causa deles.
Quando os objetos desaparecem a mente também desaparece;
o bem e o mal aparecem e desaparecem como as ilusões.

IV
Krakucchanda, o 1º Buda da Era Virtuosa:
Ver o corpo como irreal é ver o Corpo do Buda;
Reconhecer a mente como uma ilusão é reconhecer a Mente do Buda.
Aquele que percebe que o corpo e a mente são irreais;
Esse, como poderia ser diferente do Buda?

V
Kanakamuni, o 2º Buda da Era Virtuosa:
O Corpo Real do Buda ninguém percebe;
Não existe nenhum outro Buda para aquele que conhece a si mesmo.
Quando o mestre percebe que o bem e o mal são desprovidos de Natureza,
Vive tranqüilo e não teme o nascimento nem a morte.

VI
Kashyapa, o 3º Buda da Era Virtuosa:
Pura e límpida é a Natureza de todos os seres vivos;
Como nunca foi criada não pode ser destruída.
O corpo e a mente nascem de uma ilusão;
Nesta sombra mutante não há bem nem mal.

VII
Shakyamuni, o 4º Buda da Era Virtuosa:
O Darma fundamental do Darma não tem nenhum Darma;
O Darma do Não-Darma também é Darma.
Agora que o Darma do Não-Darma é transmitido;
Quando foi que houve um Darma?

Os Vinte e Sete Patriarcas da Índia

VIII
Mahakashapa, o 1º Patriarca da Índia:
O Darma fundamental de todos os Darmas
Está além dos Darmas falsos e reais.
Por que no Darma Único deveria
Haver um Darma e um Não-Darma?

IX
Ananda, o 2º Patriarca da Índia:
No começo havia um Darma a ser transmitido;
Depois de transmitido tornou-se um Não-Darma.
Se cada ser senciente realizasse a Própria-Natureza
Não restaria nem um Não-Darma sequer.

X
Shanakavasa, o 3º Patriarca da Índia:
O Darma e a Mente não têm realidade,
Porque não há Mente nem Darma.
Quando o Darma da Mente é revelado,
Esse Darma não é o Darma da Mente.

XI
Upagupta, o 4º Patriarca da Índia:
A Mente é a Mente Primordial
Que é desprovida de Darma.
Quando o Darma e a mente primordial existem;
Ambos, a mente primordial e o Darma, são falsos.

XII
Dhrtaka, o 5º Patriarca da Índia.
Quando o Darma da Mente Primordial é realizado
Nem o Darma nem o Não-Darma permanecem.
Depois da iluminação é como antes da iluminação,
Porque não há Mente nem Darma.

XIII
Miccaka, o 6º Patriarca da Índia:
Não há mente nem realização
Porque o que pode ser realizado não é o Darma.
Somente quando se percebe que a mente é irreal
É que o Darma do todas as Mentes é realizado.

XIV
Vasumitra, o 7º Patriarca da Índia:
A mente e o espaço celeste são a mesma coisa;
O Darma, espaço ilimitado, é agora revelado.
Quando o espaço é realizado como tal
Nenhum Darma permanece, falso ou real.

XV
Budhanandi, o 8º Patriarca da Índia:
O espaço e o Darma da Mente
Não tem nada dentro nem tem nada fora.
Quando o espaço é realizado,
O princípio da Qüididade é apreendido.

XVI
Budhamitra, o 9º Patriarca da Índia:
A Verdade Essencial não tem nome
Mas é por causa do nome que ela é agora revelada.
Aquele que realize o Darma da Verdade saberá
Que não se trata de verdades nem de mentiras.

XVII
Parshva, o 10º Patriarca da Índia:
O Corpo Real é a realidade existente por si mesma
E é por causa dela que a lei fundamental é agora revelada.
A realização do Darma da Realidade
Está além das mutações e do imutável.

XVIII
Punyayashas, o 11º Patriarca da Índia:
A delusão e a iluminação ocultam e revelam
E tal como a luz e a escuridão dependem uma da outra.
O Darma que eu agora transmito
Não é um nem dois.

XIX
Ashvaghosa, o 12º Patriarca da Índia:
Ocultando e revelando eles próprios são o Darma;
O essencial da luz e da escuridão é não-dual.
O Dharma da iluminação que eu agora transmito
Não pode ser aceite nem rejeitado.

XX
Kapimala, o 13º Patriarca da Índia:
O Darma que não oculta nem revela
Mostra o Campo da Realidade.
Realizar esse Darma
Não se trata de ignorância nem de sabedoria.

XXI
Nagarjuna, o 14º Patriarca da Índia:
Para explicar o Darma que oculta e que revela
O princípio da libertação é agora revelado.
De acordo com esse princípio nenhuma Mente é realizada
E não há alegria nem tristeza.

XXII
Kanadeva, o 15º Patriarca da Índia:
A você que agora recebe o Darma
O principio da libertação é revelado.
De acordo com este principio o Darma não realiza nada
Porque está além do fim e nunca teve começo.

XXIII
Rahulata, o 16º Patriarca da Índia:
O Darma não realiza uma única coisa;
Não pode ser aceite nem rejeitado;
Está além do que é e do que não é;
Não tem nada dentro nem tem nada fora.

XXIV
Sanghanandi, o 17º Patriarca da Índia:
O Campo da Mente nunca foi criado;
Esse Campo Primordial é produto de uma causa contribuinte.
A causa contribuinte e a semente não se impedem mutuamente,
Assim como o fruto e a flor não se obstruem mutuamente.

XXV
Gayashata, o 18º Patriarca da Índia:
A semente existente por si-mesma e o Campo da Mente
Produzem o broto através de uma causa contribuinte.
A causa contribuinte e o broto não se impedem mutuamente,
Porque aquilo que é produzido não é produzível.

XXVI
Kumarata, o 19º Patriarca da Índia:
O essencial da Própria-Natureza nunca foi criado,
É isso que nós ensinamos àqueles que procuram a verdade.
Já que o Darma não nos oferece nenhuma retribuição;
Por que pensar de uma ou outra forma em relação a ele.

XXVII
Jayata, o 20º Patriarca da Índia:
União instantânea com o incriado
É assim que se realiza o Darma da natureza.
Aqueles que são capazes de realizar isto
Realizam a unidade do relativo e do absoluto.

XXVIII
Vasubandhu, o 21º Patriarca da Índia:
Bolhas e ilusões são o onipresente;
Por que isto não pode ser realizado?
O Darma onipresente neste mundo de mutações
Não está presente agora nem estava presente no passado.

XXIX
Manorhita, o 22º Patriarca da Índia:
Nas suas mutações a mente segue o exterior,
Enquanto que a realidade permanece adormecida, oculta pelas mutações.
Todavia, através delas pode encontrar-se a Própria-Natureza,
Que está além de todas as alegrias e tristezas

XXX
Haklena, o 23º Patriarca da Índia:
Somente quando a Natureza da Mente é realizada
Pode dizer-se que a Mente não pode ser concebida.
Nada pode ser realizado
Já que se se realiza não há consciência disso.

XXXI
Aryasimha, o 24º Patriarca da Índia:
Quando se procura a consciência
Encontra-se a mente.
Como a mente é a consciência
O Darma só é encontrado por aquele que está consciente.

XXXII
Basiasita, o 25º Patriarca da Índia:
O mestre fala da consciência
Além do certo e do errado.
Eu tenho realizado a Verdadeira Natureza
Além de todas as verdades e de aquilo que jaz por trás.

XXXIII
Punyamitra, o 26º Patriarca da Índia:
A Verdadeira Natureza jaz no Campo da Mente
E não tem cabeça nem rabo.
Manifesta-se para atender as necessidades dos seres vivos;
Por falta de uma expressão melhor a chamamos de Sabedoria.

XXXIV
Prajnatara, o 27º Patriarca da Índia:
O Campo da Mente é o canteiro onde todas as sementes são plantadas;
Como as coisas realmente são pode ser deduzido pelas suas aparências.
Quando o fruto está maduro se alcança a iluminação;
Quando a flor floresce se vê o Universo.

Os Seis Patriarcas da China

XXXV
Bodidarma, o 1º Patriarca da China:
Meu propósito ao vir para este país
Foi transmitir o Darma e libertar todos os seres.
A flor de cinco pétalas
Não pode deixar de florescer.

XXXVI
Hui Kó, 2º Patriarca da China:
No canteiro de sua mente
O Darma cultiva flores.
E no entanto, não há nenhuma semente
Nem nenhuma flor.

XXXVII
Seng T’san, o 3º Patriarca da China:
O plantio de sementes requer um campo causal.
Onde as flores crescerão.
Se ninguém planta
Não haverá campo nem flores.

XXXVIII
Tao Hsin, o 4º Patriarca da China:
O crescimento está latente na semente
Que brota quando é plantada no campo causal.
A Grande Causa une-se com a Natureza;
Porém, na época do crescimento nada cresce.

XXXIX
Hung Jen, o 5º Patriarca da China:
A semente plantada por um ser senciente
No campo causal logo renderá o fruto.
Sem sensitividade não há semente
E nenhum fruto sem natureza.

XL
Hui Neng, o 6º Patriarca da China:
O campo da mente contém as sementes
Que brotam quando cai a chuva-que-todo-permeia.
A flor-sabedoria da iluminação súbita
Não pode deixar de dar o fruto do Bodi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário